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Opinião|Uma necessária nova carreira de professores

Os enormes desafios de aprendizagem só serão superados com docentes preparados e motivados

Atualização:

É notória a incapacidade do governo federal de pôr em ação medidas para avançarmos na melhoria da educação básica. Quem tem liderado esse processo, no Executivo, são alguns Estados. Assim, a proposta apresentada pelo governo do Estado de São Paulo para uma nova carreira de professores da rede pública merece ser destacada e aqui analisada.

Anunciado na quarta-feira 13/11, o projeto, que ainda precisa passar pela Assembleia Legislativa, orienta-se pelas evidências mais recentes da literatura educacional para tentar avançar em duas questões centrais para melhorar a aprendizagem dos estudantes: uma carreira docente capaz de atrair um maior número de jovens com alto desempenho no ensino médio e uma política de valorização dos professores centrada na melhoria contínua da prática pedagógica.

Para enfrentar o desafio da atratividade o foco da proposta está, acertadamente, no aumento do salário inicial – ainda muito baixo na rede estadual paulista (R$ 2.585, em 2019, para 40 horas semanais). Na nova carreira, esse valor passaria a ser 35% maior (R$ 3.500) já em 2020 para quem está no nível inicial (a maioria dos professores, segundo a Secretaria da Educação) e 54% maior (R$ 4 mil) em 2022 – valor próximo ao dos Estados com melhor remuneração inicial hoje.

Com efeito, é preciso ressaltar que a elevação do salário, por si só, não resolverá o desafio de atratividade da carreira. Melhorar as condições de trabalho – jornada adequada, infraestrutura, clima e segurança escolar, entre outros aspectos – é também medida crucial para aumentar o prestígio da profissão. Mas vale reforçar: melhorar a remuneração é um passo na direção correta e, segundo a secretaria, terá impacto financeiro positivo para muitos dos atuais servidores que optarem por migrar para a nova carreira – a adesão para quem já está na rede é voluntária, o que respeita a escolha de quem ingressou com outras regras e para quem a mudança pode não ser vantajosa, já que não mais haveria, por exemplo, reajustes automáticos por tempo de serviço.

Nessa mesma linha, a reformulação dos critérios de progressão na carreira, atrelando-a à melhoria da prática pedagógica e tendo como referência uma matriz de conhecimentos e competências profissionais, é outro aspecto positivo. Em que pese o fato de a atual carreira já conter incentivos à busca por especializações, o novo modelo propõe que a evolução salarial também esteja associada à qualidade da prática docente em si, e não apenas à titulação, realização de cursos ou provas de conhecimentos. Ademais, a instituição de uma matriz de conhecimentos e competências poderá trazer outros benefícios: estabelecer um campo comum de reflexão sobre a prática docente e promover a articulação sistêmica entre as políticas de ingresso, estágio probatório, progressão e desenvolvimento profissional.

Isso posto, há pontos importantes de atenção. Primeiro, com a proposta na Assembleia, urge iniciar um amplo envolvimento dos professores e suas representações, para debater e aprofundar o desenho apresentado. Por exemplo: haverá gatilhos de progressão acelerada, permitindo evoluir mais rápido na carreira? O modelo estimulará a progressão em diferentes trajetórias, fazendo a busca por outros cargos ou a permanência em sala de aula serem ambas valorizadas?

É fundamental, também, que o governo explique em detalhes as razões para tais mudanças, sobre o contexto orçamentário da educação e sobre as escolhas que estão sendo feitas. Essa transparência é vital para motivar a confiança dos atores mais impactados.

Segundo, há aspectos relacionados à implementação que, se descuidados, podem desvirtuar o esforço. De partida, será preciso repensar as políticas de formação continuada dos professores, já que a nova carreira só resultará em avanços significativos se estiver focada em promover o desenvolvimento profissional. Ou seja, sem apoio efetivo aos docentes, os incentivos terão efeito limitado. Nesse sentido, as pesquisas mostram que um dos caminhos é investir fortemente nos coordenadores pedagógicos e assegurar que a formação se dê na escola, entre pares. Mais ainda, há que conferir particular atenção aos primeiros anos da docência, período crucial para a constituição da prática, dando recheio e consequência ao estágio probatório.

Além disso, será necessário definir instrumentos robustos para fazer operacional o novo sistema, garantindo que os processos de certificação para progressão levem em conta múltiplas dimensões avaliativas e, mais uma vez, tenham ênfase formativa. Trata-se, aqui, de uma tarefa altamente complexa. Tanto é que diversos sistemas educacionais obcecados em “medir” efetividade docente já mostraram que o esforço pode ser em vão. Sem um ambiente colaborativo, em que o professor perceba esses instrumentos como ferramentas para o seu desenvolvimento, ao invés de algo punitivo, eles pouco adiantarão. Por isso vale a repetição: ouvir a rede – professores, supervisores, gestores escolares e alunos – é o que poderá assegurar consistência e aderência das estratégias à realidade e aos diferentes contextos.

Feitas as ressalvas, voltemos ao cerne da questão: sem professores preparados, motivados e com boas condições de trabalho, os enormes desafios de aprendizagem que ainda persistem em São Paulo (e no Brasil) não serão superados. Uma carreira mais atrativa e que dê centralidade à prática docente é, portanto, condição necessária – ainda que insuficiente – para que o Estado de São Paulo retome a posição de referência que já ocupou no cenário educacional nacional em diferentes momentos do passado recente. Se bem dialogada e bem implementada, poderá tornar-se até mesmo mais uma iniciativa subnacional a inspirar outros Estados e municípios.

*RESPECTIVAMENTE, PRESIDENTE EXECUTIVA E COFUNDADORA DO TODOS PELA EDUCAÇÃO E DIRETOR DE POLÍTICAS EDUCACIONAIS DO TODOS PELA EDUCAÇÃO

Opinião por Priscila Cruz
Olavo Nogueira Filho