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Opinião|Uma oportunidade que não pode ser perdida

O novo presidente tem uma grande chance diante de si: com sua política externa jurídica, influenciar um jogo que está repensando suas regras.

Atualização:

“O Brasil está de volta ao jogo.” Parte do jogo é, por meio de sua política externa jurídica, tentar influenciar, modificar e aplicar as regras do próprio jogo de acordo com os interesses nacionais e buscando o melhor interesse do Brasil. Essas regras são conhecidas como o Direito Internacional.

Historicamente, por muito tempo, o Brasil foi mais um ruletaker (recebedor de regras) do que um rulemaker (criador de regras). Esse cenário alterou-se em virtude de articulações ativas e altivas (e também antes, desde Itamar Franco), de modo que a presença brasileira nas mesas de negociações e nas instituições internacionais garantia a voz brasileira na hora de modelar as regras internacionais.

Sabemos quais são os novos desafios que o presidente eleito irá encontrar no tabuleiro político das relações internacionais. Reconquistar lideranças não é tarefa simples, sobretudo num mundo cujas cadeias de produção se encontram abaladas, em que tensões (militares e econômicas) entre leste e oeste se agudizam e em que o multilateralismo se encontra em constante repensar. Às adversidades políticas se adicionam os desafios jurídicos, que podem ser sintetizados na formulação, interpretação e aplicação das regras do Direito Internacional a situações concretas. Podem-se vislumbrar ao menos três campos em que o Brasil terá de afinar sua política externa jurídica para otimizar resultados na proteção dos interesses nacionais.

O presidente eleito anunciou, em seu primeiro discurso após eleito, a intenção de obter desmatamento zero. Esse é, certamente, um grande ponto de partida. Afinal, é uma promessa que garante que aquilo que não deveria estar ocorrendo não irá mais ocorrer. Neste exato momento novas regras ambientais e climáticas estão sendo redesenhadas nas Conferências das Partes (COPs), no planejamento de novos tratados e na interpretação das regras já existentes que interseccionam a proteção do meio ambiente e direitos humanos. Será que o Brasil finalmente caminhará para a adoção do Acordo de Escazú, que relaciona e adiciona uma camada de juridicidade à relação entre direitos humanos e direitos ambientais?

No campo dos direitos humanos, os desafios são internos e externos. O compromisso com direitos humanos poderá ser importante não apenas na negociação de novos tratados (como o de empresas e direitos humanos), mas na hora de formular qual será o seu peso na política externa jurídica do País. O presidente eleito deverá ser contundente em relação aos países em que graves violações de direitos humanos estão ocorrendo – e sabemos quais são eles. Aqui, naturalmente, há muita margem de manobra e ambiguidade. Mas, se o Brasil quer voltar a ter uma voz nos círculos em que direitos humanos contam, deverá recalibrar sua relação com a Corte Interamericana e também buscar um mínimo de coerência na hora de conversar sobre o tema com seus aliados.

Um dos tópicos mais sensíveis que o novo presidente terá de enfrentar diz respeito à segurança internacional e às regras da proibição do uso da força e das violações do direito humanitário. A guerra na Ucrânia continua e divide o mundo. A equidistância pragmática assumida até agora pelo Brasil é por vezes percebida como ambiguidade. O presidente eleito tem planos mais efetivos para mostrar sua posição em relação ao conflito ou seguirá a posição do atual presidente? Se em seu discurso o presidente eleito mais uma vez mencionou reformas no Conselho de Segurança da ONU, sabe-se que para promover essas reformas é necessário angariar uma força política enorme para mover as regras do jogo. Irá o Brasil participar do amplo grupo de Estados que, perante a Corte Internacional de Justiça, articula sua posição sobre a Convenção contra o Genocídio?

Essas são apenas três razões que demonstram o peso da futura política externa jurídica do novo presidente. Ele parte de um ponto de vantagem enorme em relação ao passado, que, nesses três âmbitos, deu a impressão de que o País parou no tempo.

O Brasil conta com quatro juristas em posições estratégicas importantes – não estando lá para representar o Brasil, mas a título pessoal, em virtude de suas capacidades e agindo com independência e imparcialidade. A Corte Internacional de Justiça, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, a Comissão de Direito Internacional e o Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais têm um assento ocupado por juristas que estudaram, conhecem e pensam as realidades brasileiras. Ademais, o novo presidente contará com um dos melhores serviços diplomáticos do mundo ao seu dispor – e provavelmente também desejoso de voltar ao grande jogo.

Enviando os sinais adequados, com o apoio da subutilizada academia, o novo presidente tem mais uma vez uma grande chance diante de si: por meio de sua política externa jurídica, influenciar ao máximo possível um jogo que está repensando suas regras. Não é uma oportunidade a ser perdida.

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PROFESSOR DE DIREITO INTERNACIONAL DA FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS (UFMG), É PESQUISADOR VISITANTE NA UNIVERSITÉ PARIS I – PANTHEÓN SORBONNE 

Opinião por Lucas Carlos Lima