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Opinião|Urnas eletrônicas, garantia de eleições limpas

‘Mapismo’, aproveitar votos em branco e falsificação de cédulas foram eliminados

Atualização:

As eleições na Primeira República não expressavam a vontade dos eleitores. Elas se faziam a bico de pena. No bojo da Revolução de 1930 vinha o desejo de os pleitos eleitorais expressarem a vontade popular. A solução seria a judicialização do processo eleitoral. Criou-se então, pelo Código Eleitoral de 1932, a Justiça Eleitoral, com a missão básica de preparar, realizar e apurar as eleições. O código introduziu o voto secreto, o voto das mulheres e a representação proporcional.

Anota Costa Porto que as eleições, após a criação da Justiça Eleitoral, “foram saudadas como eleições verdadeiras”. A Carta outorgada em 1937 extinguiu a Justiça Eleitoral, que, com a redemocratização, foi restaurada em 1945.

O ativismo da Justiça Eleitoral no fazer cada vez mais limpas as eleições tem sido constante. Por exemplo: a cédula única, instituída pela Lei 2.582/55, eliminou a “marmita” eleitoral; a folha individual de votação aboliu o uso do título falso; o anteprojeto de que resultou o Código Eleitoral foi elaborado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE); implantou-se o cadastro eletrônico eleitoral em 1986, na presidência do ministro Néri da Silveira; e fez-se o processamento eletrônico do resultado das eleições de 1994, na presidência do ministro Sepúlveda Pertence.

E chegamos à urna eletrônica. Um pugilo de homens e mulheres tornou realidade a informatização do voto, com vista à concretização da verdade eleitoral.

Presidindo o TSE, convocamos juristas, cientistas políticos e especialistas em informática a trabalharem conosco. Foi constituída, em 1995, o que a mídia denominou “comissão de notáveis”, dividida em cinco subcomissões temáticas: Código Eleitoral, presidida pelo ministro Marco Aurélio; reforma partidária, presidida pelo ministro Diniz de Andrada; sistema de voto (proporcional, distrital), presidida pelo ministro Torquato Jardim; financiamento de campanhas, presidida pelo ministro Pádua Ribeiro; e informatização do voto, presidida pelo ministro Ilmar Galvão.

Essas comissões produziram magníficos trabalhos, encaminhados em junho de 1995 ao presidente da República, aos presidentes do Senado e da Câmara e ao presidente do Supremo Tribunal Federal.

Concluídos os trabalhos das subcomissões temáticas, foi criado grupo de trabalho a fim de programar a urna eletrônica, estabelecendo-se o seu protótipo, com suas especificações, e o edital de licitação para aquisição das urnas, presidido pelo secretário de Informática Paulo Camarão e integrado pelo juiz Jessé Torres, especialista em Direito das Licitações, e pelos técnicos em informática Antônio Reader (TSE), Ézio Salgado, Mauro Hashioka e Paulo Nakaya (os três do Inpe), Oswaldo Catsumi (IEAV/Instituto Tecnológico da Aeronáutica, o ITA), major Elifas Amaral (Exército), capitão de corveta Otávio Lento (Marinha), Antônio Milani (Telebrás), Roberto Siqueira e Gilberto Circunde (TRE-MG), Roberto Fonseca (TRE-MT), Célio Assumpção e Mário Colaço (TRE-SC) e Jorge Freitas, (TRE-RS). As Forças Armadas, convidadas pelo TSE, participaram dos trabalhos.

O grupo de trabalho criou o protótipo da urna eletrônica e elaborou o edital de licitação, que contou nesta fase com a participação do Ministério Público Federal e da OAB.

Por que o voto informatizado? É que, nas apurações com cédulas de papel, campeava o “mapismo”, fraude abominável que “elegia” candidatos. Acabávamos de tomar conhecimento de extensa fraude nas eleições de 1994 no Rio de Janeiro. Recursos, alegações de fraudes, atrasavam as apurações, tumultuavam a economia do País. Era preciso, portanto, informatizar o voto.

A urna eletrônica vem sendo utilizada há 25 anos, sem evidência de ocorrência de fraude. Segurança e rapidez na captação e na apuração dos votos constituem sua característica. Seu funcionamento é simples e seguro, explica, didaticamente, o ministro Roberto Barroso, presidente do TSE. Porque não operam em rede, são imunes aos hackers. Os programas são elaborados pelo TSE, sob a fiscalização dos partidos políticos, do Ministério Público e da OAB. No dia da eleição o presidente da mesa imprime, na presença dos fiscais dos partidos, o boletim denominado zerésima, que comprova que na urna há zero voto, o qual é entregue aos fiscais. Ao final da votação, a urna é apurada, imprimindo-se o boletim de urna, com o nome dos candidatos e os votos dados a cada um. Cópias são entregues aos fiscais, afixando-se cópia na porta da seção eleitoral. O boletim e o pendrive, criptografado, são acondicionados num envelope, lacrado e assinado pelos membros da mesa, que é levado ao órgão central da Justiça Eleitoral.

A urna eletrônica, auditada antes e depois da votação, vem sendo aperfeiçoada ao longo do tempo. A judicialização do processo eleitoral fez deste um dos melhores do mundo. O idealismo e a criatividade dos brasileiros, sob a liderança do TSE, criaram a urna eletrônica. O “mapismo”, o aproveitamento de votos em branco, a falsificação de cédulas, todas essas fraudes foram eliminadas.

A democracia representativa, a democracia possível, depende de eleições limpas, de que a urna eletrônica é garantia.

ADVOGADO, PROFESSOR EMÉRITO DA UNB E DA PUC-MG, FOI MINISTRO E PRESIDENTE DO STF E DO TSE

Opinião por Carlos Mário da Silva Velloso