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Opinião|Voto aberto, em tempo de transparência

Porque a eleição dos presidentes da Câmara e do Senado é de total interesse da sociedade

Atualização:

Em novembro serão 130 anos de República e em três anos, dois séculos de nossa independência. Cabem perguntas óbvias: quanto consolidamos os valores republicanos? Quanto somos um país independente? 

O teste político mais recente a que o Brasil foi submetido – as eleições de outubro – mostraram, de forma geral, a intenção popular de renovar politicamente; de 33 candidatos à reeleição no Senado, apenas oito venceram (24,2%), o que representa 14,8% em relação às 54 vagas em disputa. Isto é, dos 54 eleitos, 85,2% não estão chegando ao Senado reeleitos e muitos deles estão assumindo cargo eletivo pela primeira vez. Na Câmara, os números não são tão contundentes, mas a taxa de renovação foi bem superior à média.

O presidente da República foi guindado pelas redes sociais e pelo mesmo desejo de renovação, mesmo com apenas oito segundos na propaganda de TV e rádio, alcançando vitória que representa caso a ser estudado pelas ciências política e da comunicação.

E tudo isso aconteceu apesar do sonoro não dado pelo Congresso à aspiração de profunda reforma política, necessidade nacional premente, decidindo a classe política sem pudor nem disfarce querer manter no poder quem já ali se encontrava. Tanto que candidatos à reeleição receberam dez vezes mais recursos do fundão eleitoral que os demais.

Os partidos políticos não se preocuparam, em momento algum, em explicitar critérios para destinação de tais recursos, como se não se tratasse de dinheiro público. Mas é dinheiro público, sim, e a sociedade merece respeito dos partidos e dos coronéis que os presidem sem se alternar no posto.

Eis que, como sempre no início de fevereiro a cada dois anos, temos pela frente um novo e importante teste para a nossa democracia: a escolha dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado.

Não custa lembrar que o atual presidente do Senado, Eunício de Oliveira, investigado pela Lava Jato, não foi reeleito. Seu antecessor Renan Calheiros, que se apresenta como pré-candidato, também é investigado pela Lava Jato e se elegeu, com dificuldade, graças à força política de seu filho governador de Alagoas, reeleito em primeiro turno com mais de 80% dos votos. Renan pegou a segunda vaga; se apenas uma estivesse em disputa, nem seria eleito.

Na Câmara a situação não discrepa. O atual presidente, Rodrigo Maia, outro investigado pela Lava Jato, é pré-candidato à reeleição – aliás, seus antecessores estão presos por corrupção, Eduardo Cunha e Henrique Alves (este já em prisão domiciliar com tornozeleira eletrônica).

O povo que custeia essa estrutura de poder tão onerosa tem o direito de conhecer as propostas de cada postulante, de fiscalizar o seu cumprimento pelo escolhido, diante do princípio constitucional da publicidade, muito embora quem decida no voto sejam os pares. A escolha do presidente de cada Casa Legislativa não é uma mera decisão interna corporis e deve ser totalmente aberta. Mas está bem longe disso, diante do nosso presidencialismo de coalizão (ou cooptação, como denominam alguns). Isso porque, vivemos num universo de 35 partidos políticos (muitos dos quais até fugiram do uso da palavra partido na própria denominação – Podemos, Solidariedade, Rede, Novo, DEM, MDB, etc.).

A tônica do nosso sistema é do voto de liderança, num cenário em que não se permitem candidaturas independentes, avulsas (o Brasil é um dos cerca de 20 países do mundo que as veda). Os presidentes da Câmara e do Senado detêm incomensurável poder. Muito maior que o de gestor do ente. Muito maior que o de parlamentar. Eles decidem o que entrará em pauta para votação e podem travá-la ou criar pautas-bomba, tornando inviável o Executivo, além de assumirem o poder na ausência do presidente e do vice.

Vale lembrar o papel significativo que o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha desempenhou no impeachment da ex-presidente Dilma. Há diversas vozes autorizadas que afirmam que se não fossem sua firmeza e sua determinação isso não teria acontecido. Da mesma forma o papel de Rodrigo Maia comandando a votação dos dois pedidos de autorização para ações penais por corrupção contra o ex-presidente Temer, que não alcançaram o quórum de dois terços necessário na Câmara, além de enterrar vivas as 10 Medidas Contra a Corrupção.

Na presidência do Senado, Renan Calheiros usou todo o seu poder para aprovar projeto de lei sobre abuso de autoridade, relatado por Roberto Requião (não reeleito), que tornava bandidos juízes e membros do Ministério Público atuantes no combate à corrupção. Falava-se até em criminalização da hermenêutica (sepultada no mundo desde a Revolução Francesa), num projeto que não contém um tipo penal sequer punindo parlamentares, como se fosse literalmente impossível abusarem do poder.

Isso em tempos em que se proibiu o povo de ingressar na Assembleia Legislativa do Rio, munido de ordem judicial para acompanhar sessão que deliberaria sobre a manutenção ou não da ordem de prisão de três deputados estaduais fluminenses. Como se o prédio da Casa não fosse do povo, mas dos políticos – se tal conduta não merece ser prevista como crime de abuso de autoridade, talvez fosse o caso de reinventar a pólvora e a roda.

O tempo é de transparência total, de o povo acompanhar de perto essas escolhas, de importância capital para o nosso futuro, com todas as cartas na mesa, para que possamos sair da incômoda última posição quanto à credibilidade dos políticos, atribuída ao Brasil pelo Fórum Econômico Mundial, dentre 137 países. Que tal um pacto republicano entre todos os deputados e senadores em prol do voto aberto para escolha dos presidentes das Casas?

*DOUTOR EM DIREITO PELA USP, PROMOTOR DE JUSTIÇA EM SÃO PAULO, É IDEALIZADOR E PRESIDENTE DO INSTITUTO NÃO ACEITO CORRUPÇÃO