Imagem ex-librisOpinião do Estadão

15 anos de Plano Real

Exclusivo para assinantes
Por Redação
3 min de leitura

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva construiu seu governo sobre as bases criadas pelo Plano Real. Desde o início do primeiro mandato apoiou o combate à inflação, permitindo ao Banco Central (BC) continuar a política inaugurada nos anos 90. Isso facilitou o aumento do salário real e abriu caminho para a reeleição em 2006. Câmbio flutuante e responsabilidade fiscal completaram os alicerces da administração, conferindo ao País condições excepcionais para atravessar a presente crise internacional. Empenhado há meses na campanha para as eleições de 2010, o presidente parece disposto, no entanto, a romper quaisquer compromissos com a estabilidade para garantir o controle da própria sucessão. Que o governo tenha ignorado o 15º aniversário do real, assunto explorado amplamente em todos os meios de comunicação, é até compreensível. É uma atitude compatível com o perfil do chefe de governo e da maioria dos companheiros instalados no sistema de poder em Brasília. Preocupante mesmo é a disposição, exibida por quase todos, de comprometer as contas públicas, desmoralizar a administração e pôr em risco o futuro do País como se isso fosse indispensável à conquista de votos. Atribui-se a um ex-governador paulista a declaração, em tom de triunfo, de haver quebrado o banco estadual para ganhar uma eleição. Uma tentação semelhante, mas imensamente mais perigosa, parece espalhar-se pela Praça dos Três Poderes. Apesar da crise e da redução da receita de impostos, o governo aumenta a despesa de custeio e tenta rebaixar as metas fiscais, criando uma herança perigosa para quem assumir a Presidência em 2011. O presidente Lula poderia, legalmente, ter adiado o aumento salarial programado para entrar em vigor no dia 1º deste mês. Mas preferiu manter a data, embora houvesse opiniões contrárias até na administração federal. Trata-se, obviamente, de uma decisão comandada pelo interesse eleitoral. Isso custará R$ 6 bilhões a mais em despesas com a folha de pessoal neste ano. Em conjunto, os vários aumentos concedidos ao funcionalismo devem custar R$ 10,5 bilhões em 2009, R$ 14 bilhões em 2010 e R$ 16,1 bilhões em 2011, início da próxima gestão. Mas o ataque ao orçamento é mais amplo. O governo pretende excluir da meta fiscal o dinheiro aplicado no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Deverá conseguir, com isso, uma folga estimada entre R$ 5,5 bilhões e R$ 6 bilhões no próximo ano. A desculpa, como de costume, é abrir espaço nas contas públicas para elevar o investimento. Mas a administração federal não precisaria disso para investir. Bastaria um pouco mais de competência na gestão dos programas. O objetivo real é outro: criar uma folga nas contas federais para despesas com salários e outros itens de custeio potencialmente geradores de votos. Se o governo federal não investe mais, com recursos do Tesouro, não é por falta de dinheiro, mas, como já se provou muitas vezes, de capacidade administrativa. Também para contornar esse problema já se discutem ideias perigosas, como a redução do poder dos órgãos fiscalizadores. As mudanças mais importantes produzidas pelo Plano Real ocorreram nas instituições e nos costumes. A vitória contra a hiperinflação, nos anos 90, e a disciplina - parcial, mas importante - introduzida na gestão das contas públicas foram consequências dessas mudanças. Só por isso foi possível manter um razoável controle dos preços, por tantos anos, implantar alguma ordem nas contas públicas e arrumar o balanço de pagamentos a partir de 1999. O êxito de todas essas iniciativas decorreu não de lances fenomenais, mas da adoção de práticas sustentáveis de administração monetária e fiscal. Mas nenhuma dessas conquistas permanece por milagre ou por simples inércia, especialmente num país como o Brasil, com longuíssima tradição de desmandos na gestão pública. Daí a importância da advertência formulada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em artigo publicado no Estado de domingo. Ele aponta, no cenário atual, uma "captura do novo pelo velho", um "renascer no Brasil de uma cultura do desperdício, do patrimonialismo e da ocupação predatória do território". Tudo isso, segundo ele, vem junto "com a neutralização de forças renovadoras, agora cooptadas". O ataque eleitoreiro às contas públicas é uma clara indicação desse conjunto de ameaças não só ao real, mas ao futuro do País.