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Opinião|A abordagem europeia contra a desinformação

Transparência, diversidade, inclusão e credibilidade são as chaves da ação da UE

Atualização:

O Dicionário Oxford escolheu post-truth, pós-verdade, como palavra internacional do ano de 2016, refletindo o que chamou de 12 meses “politicamente altamente inflamados”. Esse foi o ano da eleição de Donald Trump para presidente dos Estados Unidos e também do Brexit, ou seja, da decisão do eleitorado britânico, em referendo, de se retirar da União Europeia. Infelizmente, desde então a fiabilidade da informação e sobretudo a informação politicamente relevante, que circula nas plataformas digitais, apenas piorou.

A internet ampliou enormemente o volume, a variedade e a forma de produção de notícias e mudou as formas como os cidadãos acessam e se envolvem com as notícias. As novas tecnologias podem ser usadas, especialmente por meio das mídias sociais, para disseminar a desinformação em escala e com rapidez e precisão de alvos sem precedentes, criando esferas de informação personalizadas e tornando-se poderosas câmaras de eco.

Campanhas de desinformação online em massa estão sendo utilizadas por agentes políticos nacionais e internacionais para semear a discórdia e a desconfiança, criando tensões sociais com graves consequências potenciais para a nossa segurança. Além disso, as campanhas de desinformação por países terceiros fazem agora parte das chamadas ameaças híbridas à segurança interna, pondo em causa processos eleitorais e o debate cívico, em particular em combinação com ciberataques.

Esse fenômeno prejudica a confiança nas instituições e nas mídias digitais e tradicionais e danifica as nossas democracias ao toldar a capacidade dos cidadãos de tomarem decisões informadas. Esse aumento da desinformação e a gravidade da ameaça provocaram uma crescente conscientização das nossas instituições e da sociedade civil, tanto nos Estados-membros da União Europeia (UE) como em nível internacional.

Precisamos combater a atividade ilegal online para além do limite geográfico das nossas fronteiras, que de pouco nos servem para impedir os ciberataques. Conteúdo online ilegal, promovendo o terrorismo, o ódio e abusos de diversa índole, não deve poder se esconder atrás de endereços desconhecidos ou jurisdição pouco clara. Notícias falsas prejudicam a confiança nas nossas instituições e nos nossos concidadãos.

O desafio atual é como chegar a medidas eficazes para combater as notícias falsas e a desinformação sem prejudicar a liberdade de expressão, um direito fundamental e um pilar essencial da democracia. Precisamos encontrar um equilíbrio entre, por um lado, a liberdade de expressão – que inclui a liberdade de dizer heterodoxias ou disparates, pois nada seria menos democrático que a instituição de um policiamento da “verdade” – e, por outro lado, a defesa contra os ataques à democracia por meio das novas tecnologias.

Assim, na UE lançamos um processo de discussão com plataformas online sobre como lidar com conteúdo ilegal de maneira justa e eficaz. Além disso, criamos um grupo de especialistas de alto nível e fizemos uma consulta pública com o objetivo de começar a traçar o nosso caminho de combate a essa doença contemporânea.

Paralelamente, vários Estados-membros estão explorando medidas possíveis para proteger a integridade dos processos eleitorais, evitar a desinformação online e garantir a transparência da publicidade política que utiliza as novas tecnologias.

É evidente que, embora a proteção do processo eleitoral seja essencialmente um assunto de competência nacional, na Europa ou em qualquer outra parte do mundo, a dimensão transfronteiriça da desinformação torna necessária uma abordagem no plano europeu, para assegurarmos uma ação eficaz e coordenada e proteger a UE, seus cidadãos, suas políticas e suas instituições. Por tal, a Comissão Europeia lançou um plano de ação para lidar com a desinformação, do qual distingo os seguintes princípios.

Em primeiro lugar, melhorar a transparência em relação à origem da informação e à maneira como ela é produzida, patrocinada, divulgada e direcionada, para permitir que os cidadãos avaliem o conteúdo que acessam online e revelem possíveis tentativas de manipulação de opinião.

Segundo, promover a diversidade de informações, a fim de permitir que os cidadãos tomem decisões fundamentadas em pensamento crítico, apoiando o jornalismo de alta qualidade, a alfabetização midiática e o reequilíbrio da relação entre criadores de informação e distribuidores. Terceiro, promover a credibilidade da informação, fornecendo indicação de sua confiabilidade, com a ajuda de sinalizadores confiáveis, e melhorando a rastreabilidade da informação e a autenticação de provedores de informações influentes.

Em quarto lugar, criar soluções inclusivas. Soluções efetivas de longo prazo exigem conscientização, mais alfabetização midiática, envolvimento das partes interessadas e cooperação de autoridades públicas, plataformas online, anunciantes, jornalistas e grupos de mídia.

Dada a complexidade do assunto e o ritmo acelerado da evolução do ambiente digital, consideramos que qualquer resposta política deve ser abrangente. Por isso avaliamos continuamente o fenômeno da desinformação e ajustamos os objetivos das políticas à luz da sua evolução. Todas essas são questões difíceis e há claras vantagens e desvantagens em muitas das formas propostas de enfrentá-las. Não temos as respostas finais. No entanto, estou convencido de que é pelo diálogo permanente e inclusivo que todos nós, juntos, encontraremos as soluções mais adequadas. 

Olhamos para o Brasil, uma democracia rica e intensa, com preocupações semelhantes às nossas e com um processo eleitoral em curso, como um parceiro fundamental nesse novo mundo pleno de desafios novos e complexos.

*EMBAIXADOR DA UNIÃO EUROPEIA NO BRASIL