12 de abril de 2015 | 02h05
Custa a crer que promotores de Justiça, autoridades municipais e membros da Câmara Municipal considerem seriamente a possibilidade de vender a seus moradores ruas sem saída, por eles fechadas para que possam usufruir de maneira irregular de espaço que pertence a todos os paulistanos. Pois é exatamente isso que está sendo feito, como mostra reportagem do Estado. Se, mais do que lamentável, já era revoltante que aqueles moradores assim agissem diante da omissão ou com a cumplicidade da Câmara e da Prefeitura, como aconteceu nos últimos anos, o que se pretende agora é de uma desfaçatez difícil de acreditar mesmo para os mais céticos.
Tanto o princípio da venda como os valores a serem cobrados pelas ruas e a forma de pagamento deverão ser debatidos durante a revisão do zoneamento da cidade, ainda em 2015. Embora tomando o cuidado de não adiantar se a ideia será incorporada ao projeto de revisão que enviará à Câmara, ou se acha que os vereadores devem tomar a iniciativa, o prefeito Fernando Haddad afirmou dias atrás que a Nova Lei de Uso e Ocupação do Solo tratará, sim, do assunto.
Mais franco e direto, o secretário municipal de Finanças, Marcos Cruz, diz que essa ideia integra os planos da Prefeitura de, tendo em vista suas dificuldades financeiras, conseguir recursos com a venda de ativos. A venda das ruas teria dupla função, ou, em linguagem popular, com ela se matariam dois coelhos com uma só cajadada: aumentar a receita e resolver o problema jurídico do fechamento desses espaços públicos. Afinal, restringir o acesso a essas ruas apenas a seus moradores ou às pessoas por eles autorizadas é claramente ilegal.
Embora considere a proposta da venda interessante para as ruas sem saída e com pouco movimento, o promotor José Carlos de Freitas é mais cauteloso. Admite duas hipóteses: vender tais espaços aos moradores ou vetar definitivamente seu fechamento. Na primeira opção, diz ele, o preço será determinado com base nos valores de mercado. Por sua vez, o vereador José Police Neto (PSD), já prevendo que o preço pode ser alto, afirma que é possível pensar em dividir a conta. Ou seja, além de achar que se deve vender com tanta sem-cerimônia um bem público, ele ainda quer facilitar a venda em suaves prestações.
A única solução aceitável é a segunda aventada pelo promotor Freitas: impedir o fechamento puro e simples das ruas sem saída. E de qualquer outra, é preciso acrescentar. Por isso, é lastimável que ele tenha admitido também a hipótese da venda, em consonância com a Prefeitura e vereadores. E infelizmente o cenário que se está armando tem tudo para tornar realidade esse absurdo.
Estima-se que já existem cerca de 500 ruas fechadas na cidade. E, ao contrário do que pensam alguns, o fato de muitas delas serem sem saída não afeta em nada o princípio de que um bem público deve obrigatoriamente ser aberto ao uso de todos. O argumento dos moradores dessas ruas - de que elas são fechadas para garantir sua segurança e tranquilidade - não deveria ser levado a sério por ninguém, muito menos por autoridades. Por que eles têm direito a tratamento diferenciado? As consequências de sua aceitação, com qualquer um podendo fechar ruas e praças - por que não? -, são facilmente imagináveis.
Vender tais ruas não é uma solução. Não passa de uma esperteza, com a qual sairiam ganhando somente uns poucos privilegiados e o governo Haddad, que assim violaria o direito elementar de uso por todos de um bem público, para ganhar alguns trocados.
Encontrou algum erro? Entre em contato