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A aliança estratégica do G-2

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Por Redação
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O século 21 será marcado pela forma como Estados Unidos e China cuidarem de seus interesses mútuos, disse o presidente Barack Obama ao discursar na abertura do Diálogo Estratégico e Econômico Global realizado em Washington na segunda e na terça-feira. Apesar do tom retórico, foi uma declaração realista. A primeira e a terceira maiores economias do planeta dependem uma da outra e sua cooperação é essencial não só para americanos e chineses, mas também para a maioria dos outros povos. Até agora, o crescimento econômico da China foi em grande parte impulsionado pelas vendas ao mercado americano e pelos investimentos industriais originários dos Estados Unidos. Em contrapartida, os americanos têm conseguido manter um elevado nível de consumo e um amplo desequilíbrio orçamentário graças à disposição chinesa de financiar a dívida pública dos Estados Unidos. Os dois lados têm interesse em substituir essa perigosa simbiose por um estilo de cooperação mais sustentável a longo prazo. Por enquanto, os dois governos traduzem essa percepção em cobranças mútuas. O presidente Barack Obama, repetindo um discurso já costumeiro entre economistas e políticos ocidentais, propõe aos chineses um crescimento baseado mais no consumo interno do que nas exportações. Ao mesmo tempo, as autoridades da China pedem ao governo americano uma política fiscal mais prudente, para reduzir o déficit público, diminuir o desequilíbrio externo e conter o risco de uma ampla depreciação do dólar. A China tem reservas internacionais equivalentes a cerca de US$ 2 trilhões. Uns 40% desse total, aproximadamente US$ 800 bilhões, estão aplicados em títulos americanos. É um excelente motivo para cobrar do governo dos Estados Unidos a defesa de sua moeda. A curto prazo, a depreciação do dólar não causa dano maior à economia chinesa. Sua moeda acompanha informalmente as oscilações da moeda americana e isso preserva a competitividade de suas exportações. Em prazo mais longo, no entanto, a defesa do valor do dólar é essencial aos interesses chineses. Não há nada muito misterioso nesse jogo e não há por que esperar decisões drásticas do governo chinês. O envolvimento do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na defesa de uma reforma do sistema monetário internacional é mera ingenuidade de quem analisa o mundo pelo prisma de uma ideologia fora do tempo. Os pragmáticos chineses não têm o mínimo interesse nessa campanha. Pode haver argumentos a favor da adoção de novas moedas de reserva, mas essa mudança não se faz de uma hora para outra nem por simples voluntarismo. Se a cooperação entre americanos e chineses fracassar, o custo será muito alto para os dois lados e o ajuste econômico dos Estados Unidos será muito mais drástico do que seria noutras condições. Se esse ajuste ocorrer durante a convalescença da crise, o preço imposto a outros países, incluído o Brasil, será muito alto. A fase pós-crise será difícil, de toda forma, e os governos mostrarão sua sabedoria se forem capazes de facilitar essa transição. O nome da reunião de autoridades americanas e chinesas - Diálogo Estratégico e Econômico Global - foi bem escolhido. Estados Unidos e China têm uma real parceria estratégica não por uma determinação ideológica de seus governantes, mas porque os interesses dos dois países são objetivamente entrelaçados. Isso ocorre não só no campo econômico e financeiro, mas também na área da segurança. A agenda do encontro incluiu, naturalmente, a discussão dos projetos nucleares do Irã e da Coreia do Norte. Americanos e chineses têm peso militar e diplomático para interferir nas grandes questões de segurança internacional. Quem primeiro se referiu ao encontro de Washington como uma reunião do G-2 podia estar brincando com a profusão de grupos diplomáticos. Mas não deixou de ser realista. Parceria estratégica é isso: o reconhecimento de uma efetiva convergência de interesses fundamentais. Isso não tem a mínima semelhança com a noção de aliança estratégica seguida pela diplomacia brasileira nos últimos sete anos. Todos os parceiros eleitos por Brasília como estratégicos, nesse período, nunca hesitaram em agir contra os interesses brasileiros quando isso lhes conveio - sem exceção em qualquer canto do globo.