Imagem ex-librisOpinião do Estadão

A 'anistia' revogada

Exclusivo para assinantes
Por Redação
3 min de leitura

A decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de considerar inelegíveis os candidatos condenados por um colegiado de juízes - ou que tenham renunciado a mandatos eletivos para fugir da cassação - antes da entrada em vigor da Lei da Ficha Limpa, no último dia 4, lavou a alma de todos quantos travam uma batalha morro acima contra a revoltante impunidade dos políticos. Especialmente para os 5 milhões de brasileiros que assinaram ou apoiaram pela internet o projeto de iniciativa popular preparado pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, a aprovação final do texto no Congresso, em 19 de maio, foi uma vitória reconfortadora.Quando parecia que os políticos tinham, enfim, capitulado diante das pressões crescentes da sociedade - o substitutivo que passara na Câmara recebeu o voto unânime dos 76 senadores presentes à sessão -, eis que se sentiu o travo de uma típica malandragem parlamentar. Ela tornaria elegíveis os fichas-sujas que se registraram para disputar as próximas eleições, caso a nova lei valesse já este ano (o que acabou acontecendo graças, também, a uma decisão do TSE).A esperteza tomou a forma de uma "emenda de redação", apresentada na Comissão de Constituição e Justiça pelo senador Francisco Dornelles, do PP fluminense. Simples assim: onde constava, na proposta, que não poderiam se candidatar os políticos que "tenham sido condenados", passou a constar "forem condenados", depois, evidentemente, da sanção da lei. Em outras palavras, o companheiro de partido do notório deputado Paulo Maluf - que já foi condenado em duas instâncias por um dos delitos mencionados no projeto - contrabandeou para dentro do texto uma anistia aos já integrantes da concorrida confraria dos fichas-sujas. Ele e os seus beneficiados decerto não contavam com o tino dos juízes da mais alta Corte eleitoral, ao responder a uma consulta sobre a abrangência da nova lei.Uma análise cuidadosa do processo de decisão no Senado os levou a uma conclusão irrefutável. Se a Casa aprovou a matéria com o que teria sido uma simples "emenda de redação" de Dornelles, o espírito da proposta foi preservado. Portanto, como argumentou o ministro-relator, Arnaldo Versiani, cujo parecer foi aprovado por 6 votos a 1, é "irrelevante verificar o tempo verbal usado pelo legislador". O essencial é a existência de causa para a inelegibilidade no momento do registro da candidatura. Mas, se a emenda alterasse a substância do projeto - e essa era a intenção não declarada do seu autor -, o texto teria de voltar à Câmara dos Deputados para nova apreciação. O TSE derrubou igualmente a alegação de que a inelegibilidade é, em si, uma punição. "Como a inelegibilidade não constitui pena (mas consequência de condenação), não se está antecipando o cumprimento da eventual pena", deduziu Versiani.Uma questão que ficou em aberto - e inevitavelmente vai desembocar no Supremo Tribunal Federal - é a da duração da inelegibilidade nos casos de políticos já cassados ou dos que renunciaram aos mandatos para não sê-lo e, assim, poder participar do pleito seguinte. Antes de ser alterada pela Ficha Limpa, a Lei Complementar 64, de 1990, estipulava que a cassação deixaria o culpado inelegível por 3 anos. Agora, o período passou a ser de 8 anos.Se prevalecer a nova norma, os ex-governadores Cássio Cunha Lima, da Paraíba, Jackson Lago, do Maranhão, e Marcelo Miranda, do Tocantins, cassados por crimes eleitorais e abuso de poder, terão de adiar os eventuais planos de buscar ainda uma vez o voto popular em outubro próximo. Entre os "renunciados", há o caso do ex-governador do Distrito Federal Joaquim Roriz.Em 2007 ele abandonou a cadeira de senador para se evadir de um processo por quebra de decoro parlamentar. Como o seu mandato terminaria em 2015, ele só voltaria a ficar elegível passados 8 anos, ou seja, em 2023. Os condenados por tribunais sempre podem apelar da negação do registro. Mas, se o recurso for acolhido, os processos contra eles passarão a correr com prioridade - o que pode ser um mau negócio para muitos réus. O fato, em suma, é que a posse de um mandato já não protegerá como antes os criminosos de colarinho-branco.