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A aposta de Assad

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Por Redação
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O ditador sírio, Bashar Assad, resolveu pagar para ver até onde chega o fôlego dos protestos contra o seu governo, iniciados há duas semanas em Deraa, cerca de 100 quilômetros ao sul da capital, Damasco, de onde se propagaram para diversas cidades, entre as quais Latakia, o principal porto do país, a noroeste. As temíveis forças de segurança do regime responderam com a brutalidade que delas se podia esperar, matando pelo menos 60 manifestantes. À diferença dos movimentos pela derrubada das autocracias na Tunísia, Egito e Líbia, os sírios não foram às ruas para exigir a saída de Assad, mas para denunciar a estagnação econômica, a corrupção, a violência policial e o sufocante sistema político de partido único, o Baath, que manda no país há quase 50 anos. Queriam, em suma, que Assad tirasse do zero as reformas que parecia inclinado a promover quando ascendeu ao poder com a morte do pai, Hafez, em 2000.No fim da semana passada, no que foi interpretado como um sinal de sintonia entre Assad e presumíveis vozes liberalizantes do seu círculo, fontes oficiais propagaram o rumor de que, em pronunciamento "histórico", nos dias seguintes, ele atenderia à principal demanda singular dos manifestantes, revogando o estado de emergência em vigor na Síria desde 1963, que, entre outras coisas, autoriza detenções arbitrárias por tempo indeterminado. A expectativa aumentou com a sua decisão de demitir o Gabinete inteiro.No entanto, encorajado talvez pelo vulto das passeatas a seu favor em Damasco, embora orquestradas, um sorridente Assad subiu na terça-feira à tribuna do submisso Parlamento sírio para atribuir a onda de protestos a um "complô estrangeiro" em benefício do arqui-inimigo Israel. Interrompido pelo plenário a toda hora por bajulações, lamentou as mortes em Deraa, reconheceu que as forças de segurança "cometeram erros", admitiu que a corrupção precisa ser banida e disse que as reformas, segundo ele previstas há anos, virão com o tempo.Para deixar claro o que pensa, citou a entrevista que ele próprio dera ao Wall Street Journal em fins de janeiro, logo depois da queda do ditador tunisiano, Ben Ali, e quando no Cairo começavam as manifestações pela remoção de Hosni Mubarak. "Primeiro, se você não viu a necessidade de reformas antes do que aconteceu no Egito e na Tunísia, é muito tarde para fazê-las", argumentou. "Segundo, se você as fizer depois do que aconteceu, então será uma reação, não uma ação. E, enquanto for uma reação, você fracassará."Assad, que foi obrigado a largar os estudos de oftalmologia em Londres quando Basil, o irmão escalado para suceder ao pai, morreu em um acidente, parece enxergar com clareza o dilema de todos os ditadores ameaçados por seus súditos: endurecem o jogo na esperança de vencer os protestos por um misto de repressão, promessas a longo prazo e apelos nacionalistas ou tentam aplacá-los mediante concessões, que podem levar a exigências cada vez mais ousadas - até a mudança de regime.Assad teria três motivos para ficar com a primeira alternativa. Ao contrário do que acontece no Egito, o Exército sírio se identifica antes com o governo e o partido do que com o Estado. Até onde se pode prever, os chefes militares permanecerão leais a Assad enquanto o aparato repressivo contiver a propagação da ameaça da rua. Além disso, Assad, aos 45 anos, não é um tirano encarquilhado como Ben-Ali ou, mais ainda, Mubarak nem tem as mãos encharcadas de sangue como Muamar Kadafi - ou seu pai, Hafez, que em 1982 mandou matar 20 mil pessoas em represália a uma revolta.Por fim, embora a Síria seja sócia do Irã no apoio aos movimentos extremistas Hamas na Palestina e Hezbollah no Líbano, nem a Israel interessa um vizinho conturbado por uma guerra civil. Ainda há pouco, o jornal israelense Haaretz chamou Assad de "ditador árabe favorito" do país. Os Assads, pai e filho, já autorizaram conversações secretas com Israel sobre a devolução das colinas de Golã. Mesmo os EUA preferem Assad, de quem se aproximaram, à instabilidade. Não haverá "zonas de exclusão" nos céus de Damasco.