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A aposta ocidental na Síria

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Por Redação
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Vários governos europeus juntaram-se à Turquia e aos países do Golfo e reconheceram nos últimos dias a coalizão de opositores sírios formada em 11 de novembro. A iminência de uma conflagração generalizada em Damasco e a participação cada vez maior dos jihadistas no combate ao ditador Bashar Assad são os elementos centrais da equação que animou a diplomacia europeia a alinhar-se formalmente à frágil organização rebelde, chamada de Coalizão Nacional Síria (CNS). Após muita hesitação, chegou-se à conclusão de que o apoio ocidental à CNS pode ajudar a fortalecer os oposicionistas e facilitar a ajuda humanitária. Trata-se, porém, de uma aposta no escuro.O primeiro governo ocidental a anunciar o reconhecimento da coalizão foi o da França, que colonizou a Síria dos anos 20 aos 40. A decisão reedita o apoio francês à oposição líbia, crucial para a posterior mobilização pela queda do ditador Muamar Kadafi. O presidente François Hollande anunciou que a CNS passaria a ser vista como "o único e legítimo representante do povo sírio", com direito a embaixador em Paris, e que o governo francês estudaria a possibilidade de enviar armas aos rebeldes. Poucos dias depois, foi a vez da Itália e, em seguida, da União Europeia (UE) formalizarem o reconhecimento. A UE já planeja até mesmo convidar a CNS para a próxima reunião do bloco. Há dias, a Grã-Bretanha juntou-se ao grupo. Ao anunciar a decisão, o chanceler William Hague disse que os opositores formam uma "alternativa crível" ao ditador Assad. Contudo, ele advertiu que, se fracassar a transição de poder, Londres não descarta "nenhuma opção, de acordo com as leis internacionais, que possa salvar vidas inocentes na Síria".A urgência em abraçar a coalizão rebelde se explica pelo fato, evidente a cada dia, de que os radicais islâmicos, incluídos aí os militantes da Al-Qaeda, estão na vanguarda da campanha pela derrubada de Assad. Por essa razão, Hague salientou que apoiar a coalizão rebelde é uma maneira de "reduzir o espaço dos grupos extremistas". No entanto, o histórico dos esforços para formar um bloco coeso dos opositores sírios mostra o tamanho do problema. A mais recente tentativa, batizada de Conselho Nacional Sírio, nasceu sob forte entusiasmo e esfarelou-se dias depois, graças a insuperáveis disputas internas.A nova coalizão foi formada depois que os EUA cobraram dos rebeldes uma atuação mais coesa, para facilitar o apoio ocidental. O dirigente da CNS é um líder religioso islâmico, Moaz Al-Khatib. Ao contrário de outros chefes oposicionistas, acusados pelos sírios de viverem no luxo, Khatib foi preso diversas vezes e parece desfrutar de bastante credibilidade, por sua defesa frequente das minorias. Sua vice é a ativista feminista Suhair Atassi, cuja presença na direção da CNS é uma sinalização de que o rumo do país no pós-Assad passará longe do radicalismo islâmico. Nada disso, porém, é garantia de que esse grupo conseguirá se manter unido e de que terá apoio real das diversas facções oposicionistas e mesmo dos sírios em geral. Tampouco é garantia de que a CNS conseguirá controlar os jihadistas, condição essencial para que o Ocidente forneça mais do que palavras ao esforço dos rebeldes.É nesse cenário confuso que Assad permanece no poder, apesar das previsões de que ele cairia a qualquer momento, no rastro da "Primavera Árabe", desde que o levante sírio começou, em abril de 2011. Uma parte da população do país ainda prefere Assad aos rebeldes, porque se acumulam episódios em que a brutalidade dos oposicionistas rivaliza com a das forças governistas. Para muitos sírios, trocar Assad por um líder rebelde seria trocar um tirano por outro -, e Assad tem a vantagem de ser conhecido. Juntem-se a isso as profundas divisões sectárias, que estão na raiz do conflito, e nada se tem que seja augúrio de uma negociação razoável no curto prazo. Seja como for, a aposta das potências ocidentais no fortalecimento dos rebeldes, ainda que seja arriscada, parece ser a única possível para interferir numa guerra que, em 20 meses, já deixou 40 mil mortos.