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A Argentina como lição

O drama dos argentinos, que pagam pelos erros do populismo, talvez ajude os menos avisados a perceber os sinais de risco no Brasil

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Por Redação
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Faltando menos de duas semanas para a eleição, o cidadão brasileiro ainda pode avaliar e rever as consequências de seu voto – e um dos passos para isso pode ser uma espiada no drama argentino. Atolado em mais uma crise, com inflação disparada, contas públicas em desordem, escassez de dólares e desconfiança dos mercados, o governo do presidente Mauricio Macri procurou novamente o Fundo Monetário Internacional (FMI) em busca de ajuda. O novo acerto, recém-concluído, ocorre poucos meses depois de negociado um programa de ajuste com financiamento de US$ 50 bilhões. Com poucos avanços na execução do programa, o governo continuou em dificuldades e teve de pedir uma antecipação dos desembolsos combinados há poucos meses. 

Acolhidos com manifestações de simpatia e de apoio pela diretora-gerente do Fundo, Christine Lagarde, o presidente Macri e seu ministro da Fazenda, Nicolás Dujovne, terão de enfrentar um quase recomeço do trabalho, até porque o Banco Central (BC) opera desde quarta-feira com um novo presidente. Enquanto Macri conversava com Lagarde nos Estados Unidos, o economista Luis Caputo se demitia da presidência do BC. 

Como tantos outros demissionários de funções públicas, ele se referiu a razões pessoais, mas o mercado conhecia as divergências entre Caputo e Dujovne. O presidente do BC era favorável a uma forte interferência no câmbio, até com a fixação de uma banda de variação para o dólar. Também o FMI tende a rejeitar esse tipo de política, embora se abstenha, normalmente, de interferir nesse nível de detalhe. 

O novo presidente do BC, Guido Sandleris, foi saudado com simpatia pela direção do FMI logo depois de anunciado seu nome. Antes de entrar em ação ele já declarou como objetivo principal o combate à inflação. “Trabalharemos”, disse ele, “para recobrar a estabilidade e a previsibilidade de preços de que a economia argentina tanto precisa.” 

A indicação de um presidente do BC afinado com o ministro Nicolás Dujovne poderia ser uma boa notícia, do ponto de vista dos operadores e analistas do mercado. Antes de assumir o novo posto, Sandleris havia sido o número dois da Fazenda. Mas os fatos são muito menos simples. Uma fonte de um grande banco logo lembrou um detalhe preocupante. Os dirigentes do BC poderão trabalhar com a autonomia desejável ou cumprirão ordens do ministro da Fazenda? 

Só se poderá responder a essa questão, com alguma segurança, dentro de algumas semanas, talvez depois de um mês. Até lá será possível ter ideias mais claras sobre como o BC agirá em relação ao câmbio e às condições de crédito. Anunciada a renúncia de Caputo, fontes do mercado indicaram a expectativa de políticas mais próximas daquelas defendidas pelo FMI, mas, ao mesmo tempo, mencionaram a hipótese de juros mais baixos. 

Os juros básicos foram elevados há pouco tempo para 60% ao ano, a mais alta taxa do mundo. Antes de discutir se é exagerada, é preciso avaliar as possibilidades de contenção da alta de preços nos próximos meses. Neste ano, até agosto, a inflação chegou a 24,3%. Antes disso, Macri havia admitido um resultado provável de 30% para 2018, mas agora economistas do mercado já apresentam projeções na faixa de 40% a 45%. 

Não há solução simples e indolor para a crise argentina. As contas públicas continuam mal, a inflação é muito alta, as contas externas permanecem frágeis, o país depende de financiamento estrangeiro e é vulnerável, ao contrário do Brasil de hoje, a choques cambiais. A ajuda do FMI apenas atenua esses problemas. A solução dependerá de um ajuste penoso e haverá, como tem havido, resistência às medidas necessárias.

Os argentinos pagam, de novo, pelos pecados e erros do populismo, desta vez atribuíveis ao kirchnerismo, e pela tentativa inicial do presidente Macri de realizar um ajuste muito gradual. Desastres desse tipo, bem conhecidos no Brasil, estão inscritos em programas de vários candidatos. O drama argentino talvez ajude os menos avisados a perceber os sinais de risco no Brasil.