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A armadilha chavista

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Por Redação
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A situação na Venezuela se agrava a cada dia, atingindo todos os setores da economia, com reflexos particularmente preocupantes no abastecimento de alimentos, no sistema educacional e na segurança pública. Enquanto o país despenca ladeira abaixo, o governo do presidente Nicolás Maduro lança mão dos mais variados expedientes, além do recurso à violência, para evitar seu afastamento do poder, embora nos últimos dias tenha emitido também alguns sinais de que aceita dialogar com a oposição.

A penúria de alimentos, conjugada com a redução da renda da população, chegou a tal ponto que os caminhões que transportam a pouca quantidade de produtos ainda disponível estão sendo obrigados a circular sob proteção armada para evitar roubos. Pela mesma razão, soldados fortemente armados guardam a maior parte das padarias e a polícia faz o mesmo para impedir saques em armazéns, farmácias e açougues. Segundo pesquisa recente da Universidade Simón Bolívar, 87% da população não tem dinheiro suficiente para comprar comida. A defasagem entre os preços dos alimentos, que estão nas alturas, e a renda da população, lá embaixo, é atestada por outra pesquisa, esta do Centro de Documentação e Análise Social: mais de dois terços do salário dos venezuelanos, 72%, são gastos com alimentação.

A crise também atingiu em cheio o sistema educacional. Associações de pais de alunos calculam que seus filhos estão perdendo 40% das aulas. A principal razão é que, segundo a Federação dos Professores da Venezuela, cerca de 40% dos professores faltam ao serviço pelo menos um dia por semana para enfrentar as intermináveis filas nas mercearias, padarias e supermercados. 

Não admira que recente pesquisa de opinião feita por um instituto independente, o Datanálisis, indique que só 27% da população apoia o governo Maduro, contra 70% que querem seu fim o quanto antes. Essa grande maioria não consegue, porém, fazer valer seu descontentamento, porque o chavismo montou um regime político autoritário que combina aparências democráticas, para iludir os incautos, como eleições regulares, com mecanismos que podem garantir sua sobrevivência apesar da perda de apoio da maioria da população. 

Os exemplos da eleição de uma maioria de oposição na Assembleia Nacional e do referendo revogatório, previsto na Constituição, que pode encurtar o mandato de Maduro, ilustram bem isso. As decisões da Assembleia que desagradam ao governo são sistematicamente derrubadas pelo Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), cuja composição a maioria chavista anterior mudou para favorecer Maduro, antes que a oposição passasse a dominá-la. Tudo perfeitamente legal.

Como legais são também os expedientes usados pelo governo para neutralizar o referendo, embora a oposição venha conseguindo as assinaturas necessárias para convocá-lo. Se ele for adiado com manobras protelatórias e Maduro não for tirado do cargo antes de janeiro, depois disso, mesmo que a oposição vença, não haverá eleição presidencial e quem assumirá será o vice-presidente Aristóbulo Istúriz, seu fiel seguidor. 

Um caminho para desmontar essa engenhosa armadilha é o diálogo entre governo e oposição para chegar a uma fórmula de transição para um novo governo autenticamente democrático. Só agora surgem os primeiros sinais de que o governo estaria disposto a conversar com a oposição. O ex-primeiro-ministro espanhol José Luis Rodriguez Zapatero, um mediador aceito por Maduro, propôs como objetivos do diálogo o fim do conflito entre os Poderes, a reconciliação nacional, que inclui anistia aos presos políticos, e um ainda vago “fortalecimento da instituições eleitorais”. Pode também ajudar nesse diálogo o diplomata norte-americano Thomas Shannon, enviado a Caracas para melhorar as difíceis relações entre Venezuela e Estados Unidos. 

Logo se saberá se Maduro está mesmo disposto ao entendimento ou apenas manobrando para ganhar tempo, numa tentativa desesperada de se manter no poder.