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A ata da degradação do BC

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Por Redação
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A credibilidade do Banco Central (BC) foi posta em jogo na semana passada, quando seu presidente, Alexandre Tombini, espantou o mercado com uma declaração desastrada na véspera de uma decisão sobre os juros. A manutenção da taxa em 14,25% no dia seguinte, contra a expectativa criada pelo próprio Tombini e por outros dirigentes da instituição, reforçou a suspeita de interferência da presidente Dilma Rousseff na decisão do Comitê de Política Monetária (Copom). A ata da reunião, divulgada ontem, poderia servir pelo menos para atenuar aquela desconfiança, se apresentasse bons argumentos técnicos a favor da decisão tomada oito dias antes. Mas a oportunidade foi perdida, porque os autores da ata falharam na apresentação de uma explicação convincente. A maior parte da argumentação poderia mais facilmente justificar uma nova alta dos juros básicos. A alta poderia ter sido inferior ao 0,5 ponto previsto pela maioria dos técnicos do mercado, mas teria pelo menos preservado a imagem da autoridade monetária.

Embora a expectativa de uma alta de 0,5 ponto porcentual fosse a previsão dominante, economistas de peso se haviam manifestado contra a elevação dos juros, neste momento. Uma nova alta, segundo o argumento mais frequente, produziria mais danos às finanças públicas e à atividade econômica do que ganhos significativos contra a inflação.

Segundo a mesma argumentação, as contas do governo, já sobrecarregadas de encargos financeiros, ficariam piores com o encarecimento da dívida. Além disso, a recessão poderia aprofundar-se, com mais desemprego, menos impostos para o Tesouro e agravamento dos desajustes. Ao mesmo tempo, o efeito sobre a inflação seria nulo ou desprezível, até porque o desarranjo fiscal continuaria sendo uma importante fonte de pressão inflacionária.

São alegações dignas de respeito, embora discutíveis, é claro, nas condições brasileiras. De toda forma, Tombini e outros diretores do BC, membros do Copom, nunca deram sinal de levar em conta essa argumentação. A disposição de continuar aumentando os juros havia ficado clara na ata da última reunião de 2015. Vários argumentos dessa ata foram reproduzidos na carta enviada por Tombini ao ministro da Fazenda, em 8 de janeiro, para explicar a inflação do ano recém-terminado, 10,67%, muito acima do limite oficial de tolerância, fixado em 6,5%. O presidente do BC mencionou nessa carta as incertezas quanto à política fiscal (problema já apontado na ata), prometeu uma política monetária “especialmente vigilante” e citou a piora das expectativas inflacionárias para 2016. Como fecho, reiterou a disposição do Copom de fazer o necessário para alcançar os objetivos do regime de metas “independentemente do contorno das demais políticas”. Pesquisas nas semanas seguintes confirmaram a piora das expectativas. Tudo somado, como descartar a hipótese de nova alta da taxa?

Na véspera da decisão, Tombini rompeu a liturgia do silêncio e comentou a piora das previsões para o Brasil no conjunto das novas projeções globais do Fundo Monetário Internacional (FMI). A suspeita de interferência do governo, do PT e do ex-presidente Lula espalhou-se rapidamente. A ata divulgada ontem nada ofereceu para abrandar a desconfiança. O texto repete argumentos de atas anteriores para justificar a alta dos juros. Em contrapartida, sumiu a promessa de agir independentemente das demais políticas e acrescentou-se uma referência mais enfática às incertezas internacionais. Mas nada disso era novo e seria estranho atribuir a mudança de rumo do Copom às novas projeções do FMI.

Com a decisão da semana anterior e a publicação de uma ata mal costurada, o BC perdeu mais uma vez (já havia perdido entre 2011 e 2013) a capacidade de moldar as expectativas do mercado. Apenas criou maior insegurança, num cenário de muita incerteza quanto à gestão das contas públicas, à evolução do câmbio e às pressões inflacionárias. Tudo fica mais escuro e perigoso com a desmoralização do BC.