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A austeridade ameaçada

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Por Redação
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Se já não estava fácil para o governo interino chefiado por Michel Temer convencer a população da necessidade de aceitar sacrifícios no presente para a criação das bases de um futuro melhor, a tarefa terá ficado ainda mais difícil depois da decisão tomada pela Câmara dos Deputados, com o apoio explícito do Palácio do Planalto, de autorizar reajuste médio de 21,5% em quatro anos nos vencimentos de servidores públicos de diferentes carreiras. O governo interino terá de explicar para mais de 11 milhões de brasileiros que perderam seus meios de sustento e para os 90 milhões que, tendo conservado o emprego, têm sua renda real ceifada pela crise por que, num cenário de depressão, os servidores públicos federais, em grande parte já protegidos pela estabilidade, merecem tratamento tão diferenciado com dinheiro do contribuinte.

A aprovação, há pouco, da revisão da meta fiscal, com a previsão de um déficit primário de R$ 170,5 bilhões neste ano, deu a dimensão das dificuldades que o governo federal precisa enfrentar com urgência para evitar o colapso de suas finanças. Estados e municípios enfrentam crises de gravidade inédita (ver editorial A extensão da crise fiscal, abaixo). Medidas severas terão de ser tomadas rápida e corajosamente, o que afetará todos os cidadãos. Mas alguns, pelo visto, serão mais afetados do que outros, pois, num ambiente de grande preocupação com relação ao futuro em que vivem as pessoas responsáveis, um grupo está tranquilo, pois terá sua renda real protegida e, em alguns casos, até aumentada. É uma decisão que soa como escárnio para grande parte da população.

Em uma ação articulada com o presidente interino Michel Temer, a Câmara aprovou na quinta-feira passada 14 projetos de reajuste de vencimentos de funcionários federais. Quanto ao impacto financeiro da decisão, que ainda passará pelo Senado, o Ministério do Planejamento limitou-se a dizer que ele já está incluído no Orçamento de 2016. Nada disse sobre o efeito que os reajustes terão até 2019. Mas cálculos feitos por especialistas privados em finanças públicas apontam gastos adicionais de R$ 56 bilhões a R$ 58 bilhões em quatro anos. É despesa adicional a ser coberta pelo contribuinte e injustificável em momento de crise.

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua do IBGE, além de mostrar o crescimento do desemprego – que, no trimestre fevereiro-abril saltou de 8,0% para 11,2% entre 2015 e 2016 –, constatou que o rendimento real das pessoas ocupadas caiu 3,3% em um ano, período em que os empregados no setor público tiveram ganho real de 0,8%.

Entre os vencimentos reajustados estão os dos ministros do Supremo Tribunal Federal, que terão seus salários aumentados de R$ 33.763 para R$ 39.293. Em consequência, os salários dos demais magistrados terão reajuste na mesma proporção. Também terão reajuste servidores do Executivo, Legislativo e Judiciário; do Ministério Público Federal; do Tribunal de Contas da União; e da Defensoria Pública da União.

Sem que se dessem conta – como confessou o líder da bancada do PMDB, Baleia Rossi (SP) –, os deputados aprovaram também a criação de mais de 10 mil cargos. A medida não implicará aumento de gastos, segundo o Ministério do Planejamento, pois “o que houve foi a compensação com a extinção de outros cargos equivalentes”. Talvez. O fato é que, com a aprovação da medida, mesmo neutra, o que não haverá é corte de despesas, como o momento requer.

Além de baseada em sólidas razões formais, o afastamento da presidente Dilma Rousseff foi exigência de ampla maioria da população, que clamava pelo fim do desgoverno, da irresponsabilidade administrativa e da corrupção que marcaram as gestões petistas. O dever do governo interino, esperava a população, era afastar do governo central as práticas deletérias que geraram a crise política, econômica, social e moral em que o País se debate. Liderar articulações políticas que geram grande aumento de despesas em momento que exige severo controle de despesas certamente não estava entre as tarefas que a sociedade esperava do governo interino. Sua alegação de que, assim agindo, apenas cumpriu acordo do governo anterior, além de frágil, é sinal de perigosa complacência com o perigo.

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