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A aventura de Obama

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Por Redação
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Um presidente com modestos índices de popularidade; acusado pela oposição de ser frouxo na defesa do interesse nacional no exterior; confrontado por pesquisas que mostram o apoio da maioria a uma ação militar aérea contra a nova face do terrorismo na mais explosiva região do mundo; e, enfim, diante do risco de perder o seu bastião no Legislativo numa eleição que se avizinha. Este é o Barack Obama que, sem autorização parlamentar nem aval do Conselho de Segurança da ONU, ordenou a entrada dos Estados Unidos em um conflito de duração e resultados incertos e não sabidos, mandando bombardear um país soberano.O fato de que o inimigo não é o governo do território visado, a Síria, mas o Estado Islâmico (EI), que se opõe ao regime do ditador local, Bashar al-Assad, a quem Obama abomina, contribui para tornar o quadro confuso, mesmo para os aloprados padrões de envolvimento dos EUA no Oriente Médio. O EI é um dos descendentes bastardos da ocupação americana do Iraque. O movimento, cuja crueldade faz empalidecer até a Al-Qaeda, surgiu dos escombros da era Saddam Hussein. As facções radicais dos muçulmanos sunitas, marginalizados com a ascensão xiita promovida pelos procônsules de Washington em Bagdá, se reagruparam para lutar em outra frente - a Síria conflagrada e de porosas fronteiras com o Iraque.O seu crescimento foi fomentado pelos setores puros e duros da variante do islamismo sunita seguida na Arábia Saudita, há décadas em guerra fria com o Irã xiita pelo controle da esfera árabe-muçulmana. Sem os recursos proporcionados pelos serviços sauditas de inteligência, com a cumplicidade da realeza - sempre pronta a financiar fanáticos desde que ajam em outras paragens -, o inicialmente chamado Estado Islâmico do Iraque e da Síria, movido pela ambição de juntar os vizinhos em um califado fundamentalista, não teria se destacado no tabuleiro de siglas que pululam na área. As suas incursões no Iraque levaram o governo a pedir aos EUA que bombardeassem as suas posições no Curdistão, norte do país.Refluindo, o EI se vingou de forma bárbara, decapitando dois reféns americanos e outro britânico. Finalmente, passou a figurar no radar do mundo - embora isso não o tenha guindado à condição de desafio global nem tampouco de ameaça à segurança interna dos EUA, nos moldes da Al-Qaeda e suas afiliadas. Obama poderia equipar e treinar as Forças Armadas iraquianas para enfrentar o novo inimigo; poderia voltar a bombardear os seus redutos no país, em acordo com Bagdá. Ao menos ele seria coerente com a promessa de pôr fim às guerras herdadas de George W. Bush no Iraque e no Afeganistão - e não entrar em nenhuma outra aventura. Mas o que há de tê-lo levado a atacar as bases do EI na Síria foi, no limite, um cálculo de política interna.É onde entram os fatores citados no início deste texto. Obama precisa rever a sua taxa de reprovação de 54% (equivalente à de Bush no ocaso da sua malfadada presidência). Com dois derradeiros anos de governo pela frente, teme acabar como o proverbial "pato manco", se os democratas perderem de vez para os republicanos o controle do Congresso nas eleições de 4 de novembro. O partido do presidente está em franca minoria na Câmara dos Representantes e corre o risco de ver se dissipar a maioria de oito cadeiras de que dispõe no Senado. Obama também há de estar farto de ser julgado pela maioria dos americanos um presidente flácido em política externa e sabia, evidentemente, que 60% da população apoia punir o Estado Islâmico.Assim se escreve a história. A Casa Branca de novo dá ordem de fogo à revelia das regras multilaterais. (A Síria teria sido avisada.) Obama argumenta que ataca a rogo do Iraque e em parceria com cinco países árabes, embora a grande maioria das bombas caia de aviões americanos, assim como os mísseis lançados de embarcações no Mar Vermelho e Golfo Pérsico. De passagem, o mundo é informado de que, além das bases do EI, foram atingidas posições de outros grupos terroristas, entre os quais um até então obscuro Khorasan - que estaria planejando agir nos EUA.