Imagem ex-librisOpinião do Estadão

A blindagem da equipe econômica

Exclusivo para assinantes
Por Redação
2 min de leitura

Introduzida por meio de uma emenda no texto da Medida Provisória (MP) 449, que trata das novas regras para o parcelamento das dívidas tributárias dos contribuintes com a União, a "blindagem à equipe econômica" é uma dessas iniciativas necessárias, no mérito, mas política e juridicamente implementada de modo desastroso. Fruto de acordo firmado pelo PT e PSDB, a emenda concede anistia geral em favor de todos os funcionários públicos - inclusive ministros de Estado e dirigentes do Banco Central (BC) - que respondem a ações judiciais, impetradas por cidadãos, associações de classe ou pelo Ministério Público, por terem tomado decisões em defesa da higidez do sistema bancário. Pela emenda, os agentes públicos da União não sofrerão qualquer tipo de sanção quando tomarem "medidas excepcionais" para "assegurar a liquidez e a solvência do Sistema Financeiro Nacional"; " regular o funcionamento dos mercados de câmbio e de capitais"; e "resguardar os interesses de depositantes e de investidores". Essa é uma antiga reivindicação de executivos e acadêmicos que são convidados a ocupar cargos de confiança nos setores econômico e monetário da administração pública. O problema existe desde que o PT, fazendo oposição ao governo Fernando Henrique, passou a insuflar procuradores da República a abrirem ações judiciais contra a cúpula do Banco Central e do Ministério da Fazenda. Na maioria das vezes, as acusações eram flagrantemente infundadas, mas os acusados eram obrigados a contratar advogados para se defender em processos que se arrastam anos até chegar à sentença que os absolva. Até hoje, o ex-ministro Pedro Malan e os ex-presidentes do BC Pérsio Arida, Gustavo Loyola, Francisco Lopes e Gustavo Franco são réus em dezenas de ações judiciais propostas em comarcas espalhadas pelo País, custeando com recursos próprios os honorários dos advogados. É por isso que, desde então, muitos profissionais qualificados recusaram convites para ocupar cargos no BC e no Ministério da Fazenda. Além de a remuneração ser baixa, há o risco de se acabar envolvido nas malhas da Justiça. Assim que o presidente Lula assumiu o governo, em 2003, sua equipe econômica passou a enfrentar o mesmo problema. Várias autoridades monetárias respondem a processos judiciais. E, como após a crise financeira o BC e o Ministério da Fazenda tiveram de tomar medidas excepcionais para garantir a higidez e a solvência do sistema bancário brasileiro, também a equipe econômica de Lula passou a reivindicar "blindagem jurídica". A providência era necessária para enfrentar o oportunismo das ações judiciais e dar aos agentes públicos a segurança legal de que necessitam para tomar decisões em períodos de instabilidade econômica. Mas, em vez de preparar um projeto de lei específico com esse objetivo, definindo um foro judicial apropriado e estabelecendo o limite das "medidas excepcionais" que podem ser tomadas em tempo de crise, os líderes do PT e do PSDB preferiram tomar carona na MP 449. O resultado foi um texto mal redigido, que acabou sendo interpretado como uma carta branca para o governo defender bancos e banqueiros. Alguns críticos classificaram o enxerto como um "vale-tudo jurídico". Outros alcunharam a MP 449 de "Emenda Cacciola", alegando que ela poderia ser utilizada na defesa do antigo dono do Banco Marka, condenado por sua participação em conhecidos episódios que precederam a desvalorização do real, em 1999. Juristas lembram que a Constituição proíbe que as MPs tratem de direito penal e alguns políticos anunciaram que irão ao STF se Lula não vetar o enxerto na MP 449, alegando que ela abre um perigoso precedente jurídico, assegurando impunidade e permitindo o arquivamento sumário de centenas de processos contra funcionários públicos. "Por onde passa um boi, passa uma boiada. Se permitir isso, amanhã as MPs estarão criando crimes e tratando de assuntos restritos a outros Poderes", diz o deputado Flávio Dino (PC do B/MA), que já foi juiz federal e secretário executivo do Conselho Nacional de Justiça. Essa confusão não existiria se tanto o governo quanto as lideranças partidárias da situação e da oposição tivessem tratado tema tão importante com um pouco mais de prudência.