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A breve primavera de Teerã

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Por Redação
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Foi demais para a teocracia iraniana. Depois de anos de apatia e introversão, provocadas pela frustração das esperanças nas promessas reformistas do governo Mohammad Khatami (1997-2005), o Irã mais jovem, instruído, urbanizado, secular e empreendedor tornou a despertar para a política com a ousada campanha do candidato presidencial oposicionista Mir Hossein Mousavi. Ele galvanizou o descontentamento dos setores modernos do país com a incompetência, o reacionarismo e a rombuda hostilidade ao Ocidente do ultramontano presidente Mahmoud Ahmadinejad - cuja vitória há quatro anos, por sinal, se deveu também à abstenção de grande parte daquela desiludida parcela do eleitorado. Talvez nem o próprio Mousavi, o último primeiro-ministro iraniano antes do cargo ser extinto, tenha previsto as dimensões da energia política que a sua campanha liberou, sobretudo em Teerã, nas duas semanas anteriores ao pleito de sexta-feira passada, em que Ahmadinejad concorria à reeleição. Manifestações de rua que varavam as madrugadas, com multidões de jovens de verde, a significativa cor da candidatura desafiante, desconcertaram as forças que efetivamente exercem o poder no país - as elites religiosas, os militares e o aparato de segurança dominado pela temível Guarda Revolucionária. Embora Mousavi se apresentasse como um leal seguidor da República Islâmica fundada em 1979 pelo aiatolá Khomeini, nunca antes, desde esse evento cataclísmico, um movimento espontâneo pela abertura do regime adquiriu tamanhas proporções. Bem que Ahmadinejad advertiu que não haveria lugar no Irã para uma "revolução de veludo" - referindo-se à que acabou com o comunismo na antiga Checoslováquia. Pelo seu desenlace, a expressão adequada seria "primavera de Teerã", que lembraria a de Praga, esmagada pelos tanques soviéticos em 1968. No Irã, a erupção verde foi reprimida inicialmente com outra arma - a fraude eleitoral. Nem aos olhos mais crédulos se sustentam os números oficiais da apuração - que deram a Ahmadinejad praticamente o dobro dos sufrágios computados para Mousavi - quando se leva em conta o índice sem precedentes de 85% de comparecimento. É clamoroso que esse recorde se explica pela oportunidade aproveitada por milhões de iranianos - e iranianas - de votar contra as restrições opressivas na esfera dos costumes, o desemprego e a inflação em alta, a burocracia asfixiante e a crescente marginalização do país no cenário internacional sob Ahmadinejad. Os distúrbios que se seguiram à proclamação dos resultados, no fim da semana, dão a medida da ira com o descaramento do governo. Mas não é certo que perdurem, muito menos que se transformem em contestação direta à teocracia, embora centenas de milhares de pessoas tenham voltado ontem às ruas de Teerã, desafiando as proibições. A violenta reação da polícia deixou pelo menos um morto e vários feridos a bala. De seu lado, o líder supremo iraniano, aiatolá Ali Khamenei - que já no sábado saudara a vitória do presidente que lhe é subordinado como "uma bênção divina" -, ordenou ao poderoso Conselho dos Guardiães que "examine precisamente" em 10 dias a fraude denunciada por Mousavi. Não há nenhuma razão para crer que o colegiado de 12 juristas islâmicos, que zela pela pureza do regime, acolha a acusação. Tampouco é de esperar que a reação internacional vá além dos calibrados comentários sobre as "dúvidas" acerca dos resultados, como disse o vice-presidente dos EUA, Joe Biden. A Casa Branca provavelmente terá de conviver com as consequências da farsa eleitoral - mais quatro anos de um Ahmadinejad ainda menos palatável - apesar das pressões para que o presidente Barack Obama adote uma linguagem mais dura em relação a Teerã. Ele não deverá retirar a sua oferta de diálogo entre os dois países, cujo principal contencioso é o programa nuclear que poderá dar ao Irã os meios de produzir a bomba. É inegável, de todo modo, que a decisão da teocracia iraniana de dar um basta ao reformismo foi o primeiro revés da nova política americana para o Oriente Médio - que em alguma medida deve ter contribuído para a primavera de Teerã. Foi ainda uma vitória para o Hezbollah, recém-derrotado no Líbano, e uma boa notícia para a linha-dura israelense chefiada por Binyamin Netanyahu. Ele e os falcões americanos temiam a eleição de um presidente iraniano moderado e propenso à reconciliação com Washington.