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A caminho da cassação

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Por Redação
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Como se previa, o Conselho de Ética do Senado aprovou pela unanimidade dos seus 15 membros o parecer do relator do processo aberto contra o representante de Goiás Demóstenes Torres (ex-DEM) por quebra de decoro parlamentar. O texto de 77 páginas do senador Humberto Costa (PT-PE) demoliu os argumentos com que Demóstenes tentou se defender da acusação de envolvimento com a quadrilha do bicheiro Carlinhos Cachoeira e corroborou a representação apresentada pelo PSOL pela cassação do mandato e suspensão dos direitos políticos do senador.Quando surgiram os primeiros indícios de que Demóstenes mantinha vínculos comprometedores com Cachoeira, descobertos pelas interceptações telefônicas da Polícia Federal, no curso da Operação Monte Carlo, o que chocou não foi a aparente constatação de que um político jogava em parceria com um contraventor. A opinião pública, com bons motivos, costuma se surpreender é com as provas cabais de integridade dos detentores de mandatos eletivos. Mas Demóstenes não era um político qualquer. O ex-chefe do Ministério Público de Goiás, eleito duas vezes para o Senado, se distinguia pelo rigor e a pertinácia com que denunciava os descalabros éticos da era Lula. Desassombrado na defesa das suas convicções, como ao se opor à adoção das chamadas cotas raciais nas universidades federais, seu prestígio o levou a ser considerado um dos 100 mais influentes brasileiros, no ranking da revista Época, em 2009. E a sua imagem de retidão contribuiu para que fosse eleito presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Casa. Ali, no que hoje soa como uma triste ironia, relatou o projeto oriundo de iniciativa popular que se converteria na Lei da Ficha Limpa. O Demóstenes que o público não conhecia, porém, era conhecido por fora e por dentro pelo gênio goiano do crime: o plano de longo prazo de Cachoeira era ver o senador envergando a toga de ministro do Supremo Tribunal Federal.Até lá, Demóstenes continuaria a ser o lobista número um do quadrilheiro, interessado em qualquer perspectiva de ganhos robustos, como ficou demonstrado - talvez ainda não exaustivamente. Pelos serviços que lhe prestava, como que em regime de tempo integral, o senador teria recebido certa vez R$ 1 milhão, além de participação da ordem de 30% nos lucros dos negócios de Cachoeira no setor da batotagem. Isso sem falar em equipamentos domésticos de primeiríssima linha - e no telefone supostamente à prova de escutas, pelo qual eles mantiveram 97 diálogos monitorados com autorização judicial.A tentativa do senador de fazer crer que ignorava as atividades criminosas do companheiro com quem se encontrou pelo menos 40 vezes, segundo a contabilidade policial, foi mais do que risível. Uma vez exposta, a mentira proferida da tribuna configura atentado à ética que justifica a cassação do autor. Demóstenes, escreveu o relator do processo, "teve um comportamento incompatível com o decoro parlamentar: percebeu vantagens indevidas, praticou irregularidades graves no desempenho do mandato", como práticas de advocacia administrativa e favorecimento pessoal. Era, como resumiu Humberto Costa, um "despachante de luxo" de Cachoeira em diversos órgãos do governo federal - e, no Congresso, ao defender a legalização do jogo do bicho.Aprovado o relatório no Conselho de Ética em votação aberta, o processo fará uma escala na Comissão de Constituição e Justiça antes da votação secreta em plenário, onde a destituição do senador precisa ter o endosso de 41 dos seus 80 pares. Demóstenes poderá renunciar ao mandato antes disso, mas nessa hipótese não poderá se candidatar a seja lá a que cargo for nas próximas eleições, como puderam fazer outros políticos ameaçados antes da vigência da Lei da Ficha Limpa. Mas o destino do senador é o de menos. O que aflige é a possibilidade de que um número suficiente de seus colegas, no indecente escurinho do voto a que os eleitores não terão acesso, poupe o réu. No ano passado, a Câmara absolveu a deputada Jaqueline Roriz, flagrada recebendo dinheiro suspeito.