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A cartada do candidato

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Por Redação
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Na teoria, pelo menos do modo como costuma funcionar do lado de cima do Equador, governos de coalizão se constituem ou a partir de coligações eleitorais erguidas com fundamento em diretrizes compartilhadas ou quando o partido mais votado, porém sem maioria parlamentar, convida o rival que, entre os outros, tem mais afinidade com a sua linha. Tais alianças, quase sempre, estão sujeitas a chuvas e trovoadas, mas é o mal menor para ambas as partes - e para a estabilidade política da nação. É o caso da Grã-Bretanha. Nas eleições de 2010, os conservadores de David Cameron, não tendo conseguido por conta própria o controle da Câmara dos Comuns, abriram espaço no governo para os liberais-democratas, despachando para a oposição os trabalhistas no poder havia 13 anos.No Brasil, o bloco que levou Fernando Henrique ao Planalto em 1994 e o que ajudou Lula a chegar lá em 2002 se distinguiam claramente em matéria de pensamento e propostas de ação. Depois, comprovando que, nos trópicos, a teoria na prática é outra, o petista confeccionou a geleia sabor tutti-frutti, cuja receita Dilma Rousseff segue religiosamente. Ainda assim, o matrimônio entre o PSDB e o antigo PFL completará no ano que vem o seu 20.º aniversário, sem ruptura à vista. Era o que se podia dizer também da frente de esquerda, juntando PT, PC do B e PSB, que data da primeira eleição presidencial direta do País redemocratizado, em 1989. Ao longo desses 24 anos, descontadas disputas e divergências internas - inevitáveis acidentes de percurso -, não apareceu nada, a rigor, capaz de degradar o material que serviu para fazer a tríplice aliança. "Comunistas" e "socialistas", por exemplo, não imitaram os petistas puros e duros, que debandaram para fundar o PSOL em protesto contra a reforma da Previdência no primeiro mandato de Lula. Nem sequer deram demonstrações públicas de desconforto diante do mensalão revelado. Mas nada como a ambição pessoal para pôr a coerência no seu devido lugar. Trata-se, naturalmente, das aspirações presidenciais do condutor do PSB, o governador pernambucano Eduardo Campos. Desconsiderando os apelos do amigo Lula - que chegou a prometer-lhe a cabeça de chapa numa coligação com o PT em 2018 -, quer participar já da próxima disputa: aposta que dela sairá, no mínimo, com cacife suficiente para independer dos petistas no pós-Dilma. (O PSB só não fechou com o PT no primeiro turno de 2002.)Sempre dizendo que eleição é assunto para 2014 e fazendo praça de seu apoio a Dilma, Campos se pôs a falar a públicos seletos, notadamente de empresários, endossando as suas conhecidas críticas ao desempenho do governo. Muitos de seus ouvintes têm saudade de Lula - e o protocandidato, ciente disso, não se guarda de explorar em seu favor o contraste. A sua opção preferencial indica um investimento eleitoral baseado em dois fatores: a desconfiança do empresariado em relação a Marina Silva (carente, de resto, de estrutura que a torne de fato competitiva na campanha) e a expectativa de que ele crescerá nas pesquisas mais do que o tucano Aécio Neves. De todo modo, ao confraternizar com o presidente do PSDB, como se estivessem semeando uma dobradinha, Campos não podia ignorar que cruzara uma linha vermelha.Lula, o bombeiro, impediu que Dilma pedisse de volta ao PSB os seus cargos no governo, que movimentam rios de dinheiro: o Ministério da Integração Nacional, a Secretaria Especial dos Portos, a Hidrelétrica do São Francisco e a Sudene. Ele só não conseguiu impedir que ministros e dirigentes do PT espalhassem que a presidente estava pelas tampas com a dupla militância dos aliados de Campos. Sobrou, de graça, para ele, a oportunidade de tomar a iniciativa da devolução, propagar que não admite acusações de fisiologismo, ostentar elegância política ao garantir que "não vamos de forma nenhuma entrar em oposição", e ainda alegrar os seus adeptos com a previsão de que "agora ficará mais fácil falar das divergências (com o governo)" e a garantia de que "vamos ter candidatura". Em suma, o candidato pôs as cartas na mesa.