Imagem ex-librisOpinião do Estadão

A cidade dá o troco

Exclusivo para assinantes
Por Redação
2 min de leitura

Político e frasista, Ulysses Guimarães (1916-1992) gostava de ensinar que os cidadãos não moram no País, não moram nos Estados: moram nos municípios. É a realidade imediata do entorno que define o seu cotidiano e lhes proporciona uma visão mais clara dos governantes de suas cidades. O modo como as pessoas avaliam nas pesquisas o desempenho de presidentes e governadores está em princípio mais sujeito à influência de fatores que não dizem respeito diretamente à percepção dos entrevistados sobre os méritos e deméritos de suas gestões. Não que o resultado dessas sondagens deva ser recebido com reservas: o agregado dos números, apesar dos vieses possivelmente embutidos nas respostas do público, tende a dar uma descrição fidedigna dos humores da população em relação às figuras em exame. Mas, no caso dos prefeitos, o julgamento popular traduz com mais fidedignidade os seus erros e acertos. Dito de outro modo, a opinião do munícipe é o retrato mais realista que se pode desejar da conduta da administração local.Daí ser apropriada a condenação do prefeito petista Fernando Haddad, expressa na mais recente rodada das pesquisas do gênero realizadas pelo instituto Datafolha, divulgada na segunda-feira. (Se, em outras circunstâncias, os paulistanos tivessem lhe dado uma nota consagradora, ele também teria feito por merecê-la.) O fato é que aos 11 meses de mandato, o ex-ministro da Educação e segundo poste a ser erguido com sucesso pelo ex-presidente Lula, depois, naturalmente, da sucessora Dilma Rousseff, apenas 2 em cada 11 moradores da capital - e isso em números arredondados para cima - têm uma visão positiva de suas decisões, em especial daquelas que impactam o cotidiano da imensa coletividade de 10,8 milhões de habitantes. Imediatamente antes dos protestos em junho, desencadeados pelo aumento das tarifas de ônibus na cidade no mês anterior, 1/3 da população achava a gestão Haddad ótima ou boa. Imediatamente depois, esse contingente se reduziu a 18% - e assim continua. De nada adiantou ele cancelar, a contragosto, o aumento autorizado.São Paulo está lhe dando o troco por outra barbeiragem pela qual não só não dá o braço a torcer, como ainda promete agravar. O desastre continuado é a crise do já terrível trânsito na cidade devido à combinação de populismo e de interesses privados que o levou a criar com uma simples demão de tinta faixas exclusivas para ônibus na pista da direita das vias escolhidas. O prefeito, já agraciado pelos paulistanos com o apelido "Fernando Maldade", faz jus, cumulativamente, ao de "Fernando Travando", tais os congestionamentos bem acima de 100 quilômetros que tem provocado, já pela manhã e em locais muito menos sujeitos a tais suplícios nos períodos fora de pico. Apoiado, se não instigado, por seu secretário de Transportes, o empresário petista Jilmar Tatto, de afamada família, Haddad empurrou para o último círculo do inferno da mobilidade urbana a legião dos que recorrem ao automóvel particular, para o seu ir e vir, e os taxistas proibidos de apanhar ou deixar passageiros salvo em áreas separadas por extensos intervalos nas faixas que beneficiam, antes de tudo, as concessionárias do serviço de ônibus.Pistas especiais para coletivos e táxis ocupados no lado esquerdo dos grandes corredores da cidade são imprescindíveis e deveriam se multiplicar. Mas elas requerem recursos, obras, tempo - e planejamento. À falta disso, a oportunista improvisação de Haddad antes piora do que melhora a qualidade de vida de milhões de paulistanos, que a seus olhos ou são irrelevantes ou devem mesmo ser punidos por não trocar o carro pelos ônibus em circulação na metrópole. Sem falar numa ironia que não tem graça nenhuma para as suas vítimas. Substancial parcela dos carros que têm feito expandir a alta velocidade, aí sim, o número de veículos licenciados em São Paulo pertence à chamada "nova classe média", cuja capacidade aquisitiva deu um salto de alguns anos para cá, livrando os seus integrantes da servidão de perder todo dia horas no tráfego, a bordo de ônibus lotados e desconfortáveis. Devem estar maldizendo o seu voto em Haddad.