15 de abril de 2012 | 03h04
As sondagens, como se sabe, flagram percepções momentâneas, sendo tarefa complexa e muitas vezes incontornável distinguir a intensidade e a direção das emoções humanas. Faz-se a ressalva para aduzir que as eleições de outubro, a par de fatores imprevisíveis que costumam desmontar visões e projeções, ocorrerão na sombra de misteriosa indagação: qual é o pensamento político da classe C?
Antes de enveredar pela trilha, convém pinçar dados que realçam a força desse grupamento, a começar pela lembrança de que a classe C absorveu nos últimos anos cerca de 40 milhões de brasileiros, chegando à soma de 53% da população e devendo alcançar os 60% em 2014. A transformação efetiva da pirâmide social em losango, com as camadas médias passando a ser maiores que as de baixo e as de cima, implica alteração substantiva na geografia eleitoral? A ascensão de uma classe na escada social muda sua visão da política? Ou, ainda, o voto do eleitor será influenciado pela conquista de renda superior à que detinha na eleição anterior?
Eventuais respostas começam pela relação entre os avanços alcançados pela classe C e as novas atitudes que passou a tomar. A principal conquista deu-se no plano da renda. A radiografia mostra que cerca de 105 milhões de brasileiros alçaram ao patamar do poder de compra, dado que tem servido para planejar o sistema de vendas. A partir daí se fotografou um corpo social mais otimista que outros, mais aberto ao circuito dos amigos, mais fiel às marcas do mercado, mais seletivo, objetivo e descomplicado.
Revelações interessantes pipocam. Na classe C os formadores de opinião, ao contrário do que ocorre em outras, não são os mais velhos ou os mais experientes, mas os jovens, que estão bem empregados, são bem-educados e conectados ao mundo. São eles que mostram a realidade aos pais. Outra faceta interessante, segundo o pesquisador Renato Meirelles, é o fato de que os emergentes procuram autenticidade. Se a velha sociologia pregava que o sonho recorrente de uma classe era ascender à posição da classe acima, o paradigma agora é outro. Os componentes da nova classe fazem ácidas críticas aos gastos e comportamentos perdulários dos habitantes dos andares de cima. Os ricos, para eles, não são exemplo de vida. Qual é sua aspiração? Quem os motiva é o perfil que veio de baixo, lutou, conseguiu, alçou voo e hoje realiza seu sonho com seu negócio.
Onde está a nova classe? O Sudeste abriga o maior contingente, com 48,2%, vindo o Nordeste na sequência, com 22,6%, e o Sul, em terceiro, com 17,4%. As três regiões contam com 93 milhões de habitantes. Outra abordagem para medir a força do contingente é o gasto com consumo: em 2009 a classe C (renda familiar entre R$ 1.200 e R$ 4.900) gastou R$ 881 bilhões do total de R$ 2,2 trilhões do País. O salto na área educacional também impressiona: entre 2002 e 2010 os eleitores de nível universitário dessa classe saltaram de 6 milhões para mais de 9 milhões, devendo chegar aos 11 milhões em 2014; na área do ensino médio, os 48 milhões de eleitores do ano passado passarão a 52 milhões em 2014. Saltos, avanços, melhoria de padrão de vida sinalizam maiores exigências na esfera da representação política? Essa é a pergunta que movimentará as bolas de cristal, cada vez mais escassas nos terreiros eleitorais. Vamos às pistas. A alma do eleitor do "Brasil da distribuição de renda e do acesso ao crédito" continua conservadora, fiel aos ritos religiosos, éticos e normativos. É, porém, mais exigente: quer do Estado serviços mais qualificados, a partir da saúde, segurança e educação.
Outra indicação: cultiva o amor à região que o abriga. Por conseguinte, suas necessidades passam pelas demandas do mundo que habita. Seu bairro é o centro das atenções. As questões abrangentes da metrópole soam como abstrações aos ouvidos do eleitor encastelado em sua célula. O cidadão da classe C quer ver o candidato, olho no olho, com soluções claras, simples, factíveis para os setores que afetam seu cotidiano. Os laços de família, a tradição religiosa (os cultos expandem-se na paisagem urbana), os hábitos da região vão plasmando uma comunidade solidária, fraternal, exigente. Sob a perspectiva da política, é razoável supor afinação mais estreita com a representação próxima à causa comunitária. O discurso local vence a expressão global.
Mudou, sim, o tamanho do bolso da classe. E aqui é possível estabelecer uma conexão estreita entre renda e política. A hipótese é de que se forma uma nova geografia do voto, começando na região do bolso - que precisa ser bem suprido e, claro, preservado. A garantia de bolso cheio implica manutenção do status quo. Essa será a condição para a geladeira cheia de produtos. Que preservarão o instinto de sobrevivência, barriga satisfeita, segundo ponto na geografia eleitoral. Uma ponte de agradecimentos liga o estômago saciado ao coração, terceiro espaço geográfico. Culmina o processo com a mensagem que sai do coração para a cabeça. Daí sairá a decisão do voto. A rota, como sói acontecer na política, pode ter muitos desvios.
JORNALISTA, É PROFESSOR TITULAR DA USP, CONSULTOR POLÍTICO DE COMUNICAÇÃO
TWITTER: @GAUDTORQUATO
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