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A compactação da cidade

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Por Redação
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A Prefeitura decidiu, há anos, dosar o crescimento da cidade mediante três instrumentos: a outorga onerosa, as operações urbanas e as concessões urbanísticas. A intenção era cobrar pelo direito de construir além do estabelecido pelas leis de zoneamento e de uso e ocupação do solo, e assim angariar recursos para melhorias viárias, urbanização de favelas e implantação de parques. Defendida por urbanistas, a ideia vem desde o Plano Diretor Estratégico aprovado em 2002. O problema é que os resultados concretos, até agora, estão praticamente apenas na proliferação de grandes empreendimentos imobiliários. Os cofres municipais receberam polpudos recursos das outorgas onerosas e outros títulos, mas os benefícios para a população, que tais mecanismos poderiam propiciar, não estão à vista. Nos bairros onde o interesse imobiliário se concentrou houve considerável adensamento e, consequentemente, os congestionamentos de trânsito, a poluição ambiental e a sonora aumentaram e o sossego se foi, sem que as melhorias aparecessem. O Plano Diretor de 2002 estabeleceu, para toda a cidade, que a área construída permitida seja de apenas uma vez a área do terreno. Quem quiser pode construir até quatro vezes a área do terreno, desde que pague a chamada outorga onerosa. Nos últimos seis anos, 2,1 milhões de metros quadrados de construção foram negociados entre a Prefeitura e empreendedores dispostos a pagar pelo direito de construir além do permitido. Os cofres municipais receberam R$ 300 milhões. A disposição do mercado imobiliário em investir na compra do direito de erguer grandes conjuntos comerciais e residenciais levou ao esgotamento o estoque de áreas extras de construção, instituído pelo Plano Diretor. Pela lei, cada bairro teve definido um limite para a verticalização - o estoque "extra" que seria negociado com os empreendedores. No Morumbi, os 30 mil metros quadrados de estoque foram rapidamente consumidos por 80 lançamentos imobiliários entre 2006 e 2008. O resultado foi o que se podia prever: muitos empreendimentos novos num bairro com malha viária estagnada e transporte público inadequado criaram transtornos cada vez maiores para os deslocamentos da população e a vida dos antigos moradores. Avenidas Morumbi, Giovanni Gronchi, Jorge João Saad, Nordestinos e Oscar Americano permanecem congestionadas na maior parte do dia. Na busca pelas rotas de fuga, motoristas transformaram algumas das mais belas ruas do Morumbi em corredores de tráfego intenso, pondo fim à tranquilidade e provocando a degradação dos imóveis. Consequentemente, não se cumpriu um dos principais objetivos do Plano Diretor em vigor - o de proteger os bairros estritamente residenciais. Em 12 dos 91 distritos da cidade o limite da verticalização definido pela legislação municipal já foi alcançado e a Prefeitura finaliza estudo para respaldar mudanças nas regras imobiliárias. O secretário municipal de Desenvolvimento Urbano, Miguel Bucalem, explica que a ideia de uma cidade compacta "pode ser interessante para todos, caso haja transporte público e condições viárias adequadas para que os bairros sejam adensados". Entre urbanistas, estudiosos do trânsito e até entre leigos - que observam os transtornos do dia a dia trazidos pela falta de planejamento da relação crescimento/transporte -, ninguém tem dúvida sobre isso. Mas, até agora, o que se viu como resultado dessa política ficou muito longe de ser "interessante para todos". Adensar bairros onde a infraestrutura é farta e o sistema de transporte é eficaz, seguro e confortável para os passageiros é uma boa fórmula para evitar a pulverização cada vez mais ampla de novos loteamentos - a maior parte, clandestinos - na periferia da cidade. No entanto, não adianta ofertar estoques "extras" para o mercado imobiliário e adensar os bons bairros se a malha viária é insuficiente e se o sistema de transporte não for planejado para atrair o perfil do morador da área. A ideia do adensamento é promissora, mas a sua realização, até agora, tem sido muito falha.