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A condenação da Argentina

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Por Redação
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No tom de bravata, que costuma empregar quando se refere aos credores externos, a presidente da Argentina, Cristina Kirchner, garantiu, há poucas semanas, que seu governo desembolsará todo o dinheiro necessário para honrar os compromissos internacionais que vencem nos próximos meses. "Pagaremos, e pagaremos com dólares porque temos dólares", assegurou Cristina Kirchner, tentando desfazer dúvidas a respeito da capacidade financeira da Argentina, depois que os governos de algumas províncias anunciaram que não pagariam suas dívidas em dólares, mas em pesos.A sentença de um juiz federal de Nova York, obrigando o governo Kirchner a quitar até 15 de dezembro uma dívida de US$ 1,3 bilhão com credores que não aceitaram as condições da renegociação da dívida do país, mudou totalmente o cenário. A decisão pode empurrar a Argentina para uma nova moratória, o que lhe fecharia totalmente o acesso já difícil ao mercado financeiro internacional, do qual necessita para sustentar seu comércio exterior e para impulsionar os investimentos produtivos.No início de outubro, quando um tribunal de Gana determinou a retenção da fragata Libertad - imponente navio-escola da Marinha argentina - a pedido de credores que não concordaram com os termos da renegociação da dívida imposta pelo governo argentino, a presidente Cristina Kirchner disse que não pagaria nem "um dólar" a esses credores, aos quais chama de "fundos abutres".As ações contra a Argentina em Gana e nos Estados Unidos têm os mesmos autores, dois fundos de investimentos que compraram títulos da dívida argentina a preços muitos baixos e pleiteiam na Justiça seu resgate pelo valor de face. Sem ter conseguido liberar a fragata - que continua retida no porto de Tema, nas proximidades de Acra, capital de Gana -, o governo argentino agora está diante de uma espécie de armadilha financeira criada pela sentença do juiz de Nova York.O juiz federal Thomas Griesa determinou que o pagamento aos fundos de investimentos tem preferência em relação a qualquer outro que a Argentina venha a fazer em Nova York. O governo de Cristina Kirchner, no entanto, repetiu que não pagará nada aos fundos especulativos, sob a alegação de que, se o fizer nas condições decididas pelo juiz de Nova York, será dado a eles tratamento muito diferente daquele dado aos demais credores, que, para não perder tudo, aceitaram desconto médio de 75% do valor devido.O cronograma acertado pelo governo Kirchner com os credores que aceitaram a reestruturação da dívida prevê pagamentos de US$ 3,14 bilhões em dezembro. Esses pagamentos devem ser feitos pelo Bank of New York Mellon, curador dos títulos renegociados e que atua como agente pagador dos credores que aceitaram a renegociação. Mas, pela sentença, se quiser pagar os credores que aceitaram a renegociação, o governo argentino terá antes de quitar o que a Justiça de Nova York considera devido aos fundos especulativos. Se não pagar aos demais credores, ficará, de novo, na situação de caloteiro - mesmo tendo dinheiro para honrar as parcelas vincendas, como garante a presidente.A dificuldade jurídico-financeira em que se meteu foi criada pelos governos de Néstor e de Cristina Kirchner. O calote de uma dívida de cerca de US$ 150 bilhões foi anunciado em dezembro de 2001 pelo presidente interino, Adolfo Rodríguez Saá. Em 2005, o governo Kirchner impôs aos credores uma dura renegociação. Ou os credores aceitavam grande desconto do valor da dívida e prazo muito longo para o pagamento ou perderiam tudo. A maior parte aceitou.Depois de nova rodada de renegociação, em 2010, 93% da dívida argentina estava reestruturada. O restante ficou nas mãos de credores que, mesmo duramente pressionados, não aceitaram as condições que lhes foram apresentadas. São esses credores que, recorrendo à Justiça em diversos países, estão criando situações constrangedoras para o governo de Cristina Kirchner, como a retenção do navio-escola Libertad, e que abalam a imagem já ruim do país no mercado internacional.