
22 de junho de 2010 | 00h00
O acordo não impediu, como se sabe, que os Estados Unidos conseguissem aprovar no Conselho de Segurança (CS) da ONU um quarto pacote de sanções contra a República Islâmica pela insistência em manter os seus projetos de enriquecimento de urânio, proibidos em decisões anteriores do CS. A recusa iraniana a se submeter irrestritamente à fiscalização da agência atômica das Nações Unidas, a AIEA, e a descoberta de instalações nucleares clandestinas no país também foram invocadas para justificar a nova rodada de punições. Só o Brasil e a Turquia votaram contra.
Numa entrevista ao jornal londrino Financial Times, publicada domingo, Amorim desenvolveu um raciocínio que colide com os fatos para anunciar que, de agora em diante, só a convite o Brasil voltará a se envolver com o problema iraniano de forma "proativa". Segundo ele, foi como se Brasília tivesse levado uma rasteira de Washington. Nas suas palavras: "Queimamos os nossos dedos por fazer aquilo que todos diziam que seria útil e, no fim, descobrimos que algumas pessoas não aceitavam um "sim" como resposta." A alusão aos Estados Unidos é óbvia.
O argumento se baseia na carta que o presidente Barack Obama enviou ao seu colega Lula em abril e que o governo mais tarde vazou para a imprensa a fim de provar que o Brasil foi incentivado a procurar uma solução negociada com o Irã. Na mensagem, embora duvide da disposição iraniana "para um diálogo de boa-fé" e advirta que "continuaremos a levar adiante nossa busca por sanções", Obama considera que um acordo como o que seria selado em Teerã representaria "uma oportunidade clara e tangível de começar a construir confiança mútua".
Não fosse pelo proverbial pequeno detalhe, a versão do Itamaraty se sustentaria. Obama não precisaria ter escrito o que pode ser lido como um claro encorajamento. Bastaria o silêncio para exprimir a sua presumível contrariedade com as gestões brasileiras. Entre a carta e a pronta rejeição americana à Declaração de Teerã, um mês depois, acentuou-se em Washington um debate em surdina ao cabo do qual a linha-dura personificada pela secretária de Estado Hillary Clinton prevaleceu sobre os moderados da Casa Branca.
O detalhe, por assim dizer, é que o Brasil não foi a campo no Irã porque os Estados Unidos o estimularam a ir e depois lhe teriam dado as costas. Pelo menos desde que se preparou a visita do presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad, em novembro do ano passado, o governo assumiu ostensivamente a intenção de se promover a mediador do contencioso sobre o programa nuclear suspeito de se destinar à produção da bomba atômica. Nos cálculos do Itamaraty, a iniciativa daria ao Brasil, na arena política global, o equivalente ao que significa o investment grade para as transações financeiras do País.
Tamanha certeza ? ou soberba ? levou o governo a tratar como impatrióticas as advertências sobre a desproporção entre os custos (reais) e os benefícios (eventuais) da empreitada lulista para desarmar um confronto que em última análise se entrelaça com os conflitos crônicos do Oriente Médio e com os interesses estratégicos dos Estados Unidos na região. Agora, o próprio ministro Celso Amorim se rende à força das coisas como elas são e não como ele e o presidente Lula, com o seu voluntarismo desenfreado, gostariam que fossem.
Mas até na hora de pensar o que devia ter pensado antes, o diplomata tenta debitar a terceiros países o malogro da política aventureira que chamuscou a imagem do Brasil como um interlocutor amadurecido e responsável. E tudo porque o presidente Lula imaginou que popularidade interna e liderança internacional são a mesma coisa.
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