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A confusão dos juízes

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Por Redação
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Analisando a ofensiva de associações de juízes e desembargadores contra o controle externo do Poder Judiciário, o ministro Gilmar Mendes - ex-presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) entre 2009 e 2010 e um dos responsáveis pelo modelo de atuação do órgão - atribuiu a crise ao corporativismo de desembargadores que, a seu ver, estariam confundindo conceitos básicos de Teoria do Estado. "Alguns magistrados afirmam que os Tribunais de Justiça são entidades soberanas. Confundem autonomia (funcional) com soberania (institucional)", disse o ministro em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo. A soberania tem sido invocada pelas entidades de juízes que, desde a entrada em vigor da Emenda Constitucional 45, em dezembro de 2004, vêm tentando, no Supremo, reduzir prerrogativas do CNJ. A principal entidade é a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), dirigida por um desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP). Com 1,9 mil juízes de primeira instância e cerca de 360 desembargadores, o TJSP é a maior Corte do País e foi apontada pela corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon, como a mais refratária às investigações do CNJ. Um de seus principais adversários na polêmica sobre o alcance das fiscalizações do órgão, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Cezar Peluso, nela atuou durante três décadas e meia - 18 anos como juiz e 17 como desembargador. Para a corregedora nacional de Justiça, os poderes do CNJ são "originais e concorrentes" - ou seja, o órgão tem a prerrogativa de promover investigações independentemente da atuação das corregedorias dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais do Trabalho e dos Tribunais de Justiça. Para Peluso e para a direção da AMB, o CNJ só teria competência "subsidiária" - ou seja, as sindicâncias e a aplicação de medidas disciplinares são de competência das corregedorias, cabendo ao CNJ apenas apreciar os recursos a ele enviados. Apesar de não citar nominalmente Calmon e Peluso, em sua entrevista Mendes deixou claro que endossa a posição da corregedora nacional de Justiça. A entrevista de Mendes foi publicada no mesmo dia em que os jornais divulgaram uma carta assinada pelos presidentes de Tribunais de Justiça de todo o País, apoiando as liminares do Supremo que determinaram a suspensão das investigações que o CNJ vem fazendo nas Justiças estaduais. Na carta, os signatários pedem mais autonomia para os Tribunais e acusam o órgão responsável pelo controle externo da magistratura de autorizar quebras de sigilo fiscal e bancário, o que não seria permitido pela Constituição. "Talvez o Judiciário seja o único Poder que esteja fazendo, graças à atuação do CNJ, uma autocorreção. Quase todos os problemas (nos tribunais) foram levantados por nós", afirmou Mendes, depois de lembrar que nem o Legislativo nem o Executivo têm tanta transparência quanto a Justiça. Além de salientar que as corregedorias judiciais são ineficientes e corporativas, Mendes esclareceu que em momento algum o CNJ autorizou a quebra indiscriminada de sigilos nas investigações sobre pagamentos irregulares a desembargadores e servidores e ainda defendeu a atuação do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) - o órgão de inteligência financeira do governo que, quando identifica movimentações consideradas atípicas, se limita a informá-las aos órgãos de fiscalização competentes. "Ninguém deve falsear os fatos. Nós, juízes, deveríamos ser mais respeitosos em relação aos fatos. Não há quebra de sigilo quando alguém faz uma verificação em folha de pagamento. Em todos esses anos, pedimos para ter o controle das contas. Trata-se de um princípio republicano. Há algum segredo em relação ao meu salário ou a alguma verba que recebo como ministro?", indaga Mendes. Segundo o ex-presidente do STF, a atuação do CNJ não pode ser considerada ilegal nem exagerada e as Justiças estaduais, apesar de disporem de autonomia funcional, não podem se opor a um órgão de controle, como o CNJ.