08 de agosto de 2015 | 03h00
Como em tudo, podemos ver também aqui um lado ruim e outro, bom. Ruins são o tamanho e a ramificação da corrupção em vários setores da vida pública, como vai sendo revelado. O lado bom é que os problemas começam a ser enfrentados seriamente, em vez de serem varridos para debaixo do tapete. Somente admitindo os fatos e indo às consequências é que se pode mudar certa cultura de tolerância em relação à corrupção. Para debelar a corrupção, são fundamentais a independência dos Poderes do Estado e a autonomia das instituições, para cumprirem seu papel sem ingerências interesseiras e corruptoras.
Mas ninguém se engane: a corrupção não ronda apenas a administração pública nem se refere apenas ao desvio de bens do Estado aos bilhões e milhões. Também são atos de corrupção os pequenos desvios, a sonegação de impostos ou as propinas para obter ou aceitar benefícios por meio do descumprimento dos deveres cívicos. E a pequena corrupção, quando não é corrigida em tempo, abre caminho para as grandes falcatruas.
A corrupção primeira e mais grave é a da consciência moral. Toda pessoa traz em si as noções básicas de bem e de mal e a capacidade de perceber o que é correto ou detestável na conduta. Vários fatores podem ajudar a aprimorar ou a deteriorar a sensibilidade da consciência, como a educação, o convívio social e a cultura circunstante. Mas é, sobretudo, a prática repetida de ações desonestas que leva à insensibilidade e à corrupção da consciência moral, abrindo caminho para ações desonestas maiores.
Os atos e fatos de corrupção estão relacionados com um grave problema ético e moral. São fruto de um desvio de conduta caracterizado pela desonestidade e a falta de senso de justiça. Além disso, decorrem da falta de solidariedade e da insensibilidade em relação aos direitos e necessidades alheios. Será, ainda, necessário dizer que a corrupção não combina com o bom caráter, a confiabilidade e a honradez?
Em sua visita a Nápoles, em 21 de março deste ano, o papa Francisco usou palavras severas contra a corrupção e destacou a necessidade da vigilância constante, para ninguém se corromper: “Todos nós temos a possibilidade de ser corruptos e ninguém pode achar que está isento da tentação de enveredar por negócios fáceis, por caminhos de delinquência e da exploração de pessoas”. E observou que o conceito “corrupção” se refere a algo deteriorado, que perdeu a sua genuinidade e deixou de ser bom e prestável: “A corrupção cheira mal; a sociedade corrupta cheira mal”, concluiu o pontífice.
A corrupção, talvez, nos faz pensar logo em desvios de dinheiro e de bens, mas também existe a corrupção política, que é uma grave deterioração do sistema democrático, pois desvirtua e trai os princípios da ética e as normas da justiça social. Ela compromete gravemente a relação entre governantes e governados e introduz uma crescente desconfiança em relação à própria política e aos seus representantes, com o consequente enfraquecimento das instituições.
A corrupção política distorce a origem e a razão de ser das instituições representativas porque as usa como terreno para a barganha política de solicitações clientelistas e favores dos governantes. Assim, as opções políticas favorecem os objetivos restritos daqueles que possuem os meios para influenciá-las e impedem a realização do bem comum de todos os cidadãos. A política acaba transformada num pragmático balcão de negócios, ou num instrumento de benemerências personalistas.
Ao se unirem as duas formas de corrupção, a política e a econômica, surge um combinado extremamente devastador da vida social. Não será por isso que tantos cidadãos preferem, de maneira equivocada, a distância em relação à participação na vida política? “Meter-se em política” significa, para muitas pessoas, o mesmo que participar de negócios desonestos...
Existe remédio para a corrupção? Certamente sim. É indispensável, desde a mais tenra infância, a educação para a honestidade e o senso de justiça e solidariedade, como também o discernimento crítico diante dos fatos públicos de corrupção e desonestidade: estes não são bons exemplos a serem seguidos por crianças, jovens e adultos. Mas também é necessário que a Justiça realize o seu curso e chame às contas os agentes da corrupção. O maior estímulo para a corrupção seria a convicção de que a desonestidade compensa e a honestidade é uma tolice.
Na bula de proclamação do Ano Santo Extraordinário da Misericórdia de Deus, de abril de 2015, o papa Francisco conclama os culpados de corrupção ao arrependimento e ao pedido de perdão: “Esta praga apodrecida da sociedade é um pecado grave que brada aos céus, porque mina as próprias bases da vida pessoal e social. A corrupção impede de olhar para o futuro com esperança porque, com sua prepotência e avidez, ela destrói os projetos dos fracos e esmaga os mais pobres”. Para erradicá-la da vida pessoal e social, são necessárias a prudência, a vigilância constante aliada à fortaleza do caráter, a lealdade, transparência e a coragem da denúncia. “Se não se combate abertamente (a corrupção), mais cedo ou mais tarde ela nos faz seus cúmplices e nos destrói” (n. 19).
*Dom Odilo P. Scherer é cardeal-arcebispo de São Paulo
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