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A crise além da recessão

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Por Redação
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Além de levar o País à recessão, o governo brasileiro nada fez, nos últimos anos, para tornar sua economia mais produtiva, com maior potencial de crescimento e fundamentos mais sólidos, segundo relatório divulgado na quarta-feira passada, em Brasília, pelo secretário-geral da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Angel Gurría. O desastre vai além da crise – desemprego em alta, consumo em baixa e produção em queda – apontada pelos indicadores de curto prazo. A deterioração é mais grave. A cada ano o Brasil se torna menos capaz de sustentar uma expansão da atividade sem pressões inflacionárias. O potencial de crescimento passou de 3,1%, em 2012, para 2,9%, em 2013, e para 2,6%, em 2014, segundo os cálculos da entidade. Em 2016, estará reduzido a 1,9% – mas nem esse resultado, muito baixo para uma economia emergente, será alcançado, de acordo com o mercado, as instituições internacionais e o próprio governo.

A recessão continuará até o próximo ano e será mais funda do que se calculava até há pouco tempo, segundo a OCDE. Pelas novas projeções, a economia brasileira deve encolher 3,1% neste ano e 1,2% no próximo. A contração estimada para o Produto Interno Bruto (PIB) em 2015 era de 0,8% em junho e de 2,8% em setembro. Pioraram no mesmo período as previsões para 2016. O crescimento de 1,1% calculado em junho passou para uma diminuição de 0,7% em setembro. Agora a expectativa é de uma recessão de 1,2%.

A piora das projeções da OCDE para estes dois anos é parecida com a de outras fontes, públicas e privadas, mas a análise apresentada por seus economistas vai mais fundo nos problemas de maior alcance. Se o Brasil sair da recessão, ainda continuará em condições muito ruins, de acordo com essa análise. “As políticas macro são uma base importante, mas reformas estruturais são a chave”, disse o secretário-geral Angel Gurría, numa apresentação ao lado do ministro da Fazenda, Joaquim Levy.

Problemas estruturais estão na base de todos os grandes desafios, de acordo com os dados da OCDE e a exposição de Gurría. Enquanto faltar sustentabilidade fiscal, os credores continuarão exigindo juros altos para financiar o Estado brasileiro. O ajuste de curto prazo das contas públicas é indispensável, mas insuficiente. É preciso controlar o gasto público e torná-lo mais eficiente. A necessária reforma da Previdência deve incluir mudanças como a exigência de idade mínima e a adoção de um novo critério de atualização dos benefícios – por exemplo, uma correção com base na alta dos preços ao consumidor, sugeriu Gurría. Em outras palavras, convém desvincular as aposentadorias da variação do salário mínimo.

O relatório da OCDE discute a eficiência dos gastos públicos com a saúde. Aponta a fragmentação e a complicação do sistema tributário, um importante obstáculo ao bom funcionamento das empresas – um tema explorado com frequência em estudos comparativos de competitividade. Defende a autonomia do Banco Central para a execução da política monetária. Menciona problemas como a formação deficiente da mão de obra e seus efeitos na produtividade. Destaca a infraestrutura muito inferior à de países concorrentes. Avança na análise do comércio exterior e critica a reduzida integração do Brasil no sistema global. Gurría poderia ter ilustrado seus comentários com um dos assuntos mais quentes da semana: a dificuldade dos patrões para preencher documentos e regularizar as condições dos empregados domésticos, mais uma demonstração de ineficiência governamental.

A análise publicada pela OCDE é mais uma condenação, com repercussão internacional, dos erros administrativos, políticos e diplomáticos acumulados na gestão petista. No governo, pelo menos o ministro da Fazenda tem mostrado percepção desses erros e desmandos, nunca reconhecidos pela presidente Dilma Rousseff e pelos companheiros. Seguir uma agenda racional seria renegar o legado petista, um capítulo muito improvável na biografia da presidente.