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A crise da Embrapa

A estatal vive uma deplorável decadência, fruto de desorientação administrativa e estratégica

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Por Redação
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A agropecuária brasileira alimenta os 214 milhões de habitantes deste país e ainda exporta para mais um sexto da população mundial, ou 1,3 bilhão de pessoas. Nossa estrutura de produção agropecuária hoje é flexível e diversificada, capaz de se articular com mercados distantes e demandas bastante variáveis. Nas últimas décadas, a lavoura se tornou a salvação da economia brasileira. E, na presente crise econômica, o agro foi o único setor a crescer no ano passado (13%), garantindo um suado aumento de 1% do PIB. 

Grande parte de tal crescimento deve-se a ganhos de produtividade, resultantes de inovações tecnológicas adaptadas às variadas situações de solo e clima do Brasil. Centenas de milhares de tecnologias foram produzidas, desenvolvidas e testadas nos 44 centros de pesquisa da Embrapa.

A Embrapa foi criada em 1973, focada em duas únicas metas: reduzir o preço dos alimentos no mercado nacional e tornar competitivas as exportações de produtos agropecuários. Cumpriu ambos os objetivos e foi muito além, criando uma base tecnológica ajustada à realidade e com viabilidade econômica. Mas, hoje, infelizmente, a estatal vive uma deplorável decadência, fruto de desorientação administrativa e estratégica.

Durante os governos petistas, a Embrapa perdeu relevância e protagonismo, em função de numerosos erros de seus dirigentes. Passou a contribuir cada vez menos para a competitividade da agropecuária, respondendo apenas marginalmente pelos resultados alcançados. A maior parte dos mais de R$ 3 bilhões anuais que custa ao Tesouro Nacional é gasta em atividades-meio. A oferta de tecnologia agora vem de empresas privadas. A estatal passou do claro sucesso experimentado em seus primeiros 20 anos para uma situação paulatina de dificuldades, nos últimos 25 anos.

O descolamento da realidade do campo teve início na gestão 1995-2000. Então diretor, o atual presidente, Maurício Lopes, implantou seis “macroprogramas”, aos quais todos os projetos de pesquisa foram submetidos, de modo compulsório. A mudança se mostrou distante dos problemas reais e a pesquisa aplicada gradativamente deu lugar à produção acadêmica de papers, com temas dispersos. Em meio a outras deficiências de visão – como o abandono dos Laboratórios da Embrapa no Exterior (Labex) – instalou-se um regime interno de direção central, facilitado pelo clima de temor e inquietação. Acabaram-se as discussões democráticas, abertas e francas, como seria da natureza de organizações dedicadas à ciência e às práticas científicas, sobretudo as de caráter público.

No início do ano, a imagem da Embrapa sofreu enorme desgaste perante o mundo rural e a sociedade. O presidente, Maurício Lopes, demitiu sumariamente um renomado pesquisador por um artigo crítico, escrito para este jornal (Por Favor, Embrapa: acorde!, O Estado de S. Paulo, 15/1/2018). O gesto suscitou centenas de reações contrárias e foi criticado publicamente por associações, instituições e personalidades, antigos presidentes da Embrapa, secretários de Agricultura, lideranças do agronegócio e acadêmicos. O pesquisador só retornou à Embrapa após decisão da Justiça do Trabalho.

O ministro Blairo Maggi, nessa ocasião, externou claramente a necessidade de mudanças na Embrapa, para reaproximá-la do setor produtivo. Ainda assim, já no final de seu mandato, o presidente da estatal promove mudanças internas, sem debater com os dirigentes dos 44 centros de pesquisa e sem ouvir opiniões externas, seja de associações do agronegócio ou parceiros do setor produtivo.

Pesquisadores e analistas são o maior patrimônio da organização, mas não há recursos para novos projetos de pesquisa. A insegurança e a apatia tomam conta dos outrora centros de excelência. Isso precisa mudar. A Embrapa deve voltar a ser um centro de excelência, produtor de pesquisas aplicadas e tecnologia de ponta. Sua direção será renovada em breve. Com a renovação, espera-se que retome seu relevante papel na construção do futuro do agronegócio.