21 de agosto de 2010 | 00h00
"O cirurgião cardiovascular hoje paga para trabalhar", disse ao Estado Ronald Souza Peixoto, presidente da cooperativa que reúne os 102 profissionais da especialidade no Rio de Janeiro. Em média, o cirurgião passa de quatro a seis horas no centro cirúrgico, fica de sobreaviso para agir em caso de intercorrência logo após a operação durante dois meses e recebe por isso pouco mais de R$ 100, afirmou Peixoto. "É pouco mais de R$ 30 por hora" durante a cirurgia, completou. Por uma cirurgia de ponte de safena, que exige uma equipe de quatro cirurgiões e mais dois profissionais, o SUS paga cerca de R$ 940. No Rio, pelo mesmo procedimento, os planos de saúde privados pagam até R$ 13,5 mil.
Em alguns Estados, como Goiás, os cirurgiões cardiovasculares já suspenderam o atendimento para o SUS. No Rio, o movimento deve começar em outubro. Em São Paulo, os médicos ainda não se organizaram como os do Rio. Há negociações em andamento em algumas unidades da Federação, pois a lei prevê que as Secretarias de Saúde dos Estados e dos municípios devem complementar o valor pago pelo SUS. Em outros casos, como o do Espírito Santo, os governos estaduais aceitaram pagar a complementação.
O secretário de Assistência à Saúde do Ministério da Saúde, Alberto Beltrame, considera o valor pago pelas cirurgias de revascularização compatível com os recursos disponíveis no SUS. Se ele estiver certo, o que está errado é a política do governo, que não assegura os recursos necessários para o SUS funcionar com eficiência.
O sistema foi criado para assegurar atendimento de saúde a todos os brasileiros e "abrange desde o simples atendimento ambulatorial até o transplante de órgãos, garantindo acesso integral, universal e gratuito para toda a população do País", diz o governo. Seus números são impressionantes. Pelo sistema são realizados anualmente cerca de 300 milhões de consultas médicas, 11,5 milhões de internações, 360 milhões de exames laboratoriais, 2 milhões de partos e aplicados 150 milhões de vacinas.
Tudo isso evidentemente tem um custo, que é do governo. Ao economizar no valor das remunerações dos serviços prestados por médicos e instituições privadas, porém, o governo lhes transfere parte do ônus financeiro que deveria ser somente seu. Os cirurgiões cardiovasculares são os primeiros a reagir contra essa injusta transferência de custos financeiros, utilizando como meio de pressão a suspensão do atendimento para o sistema.
No entanto, em nome do compromisso com a comunidade, entidades filantrópicas - que sobrevivem financeiramente com o apoio da sociedade e, em parte, com a prestação de serviços ao governo, por meio do SUS - continuam a atender regularmente, a preços que não cobrem seus custos, o que lhes vem impondo sérias dificuldades.
Embora as instituições filantrópicas - principalmente as Santas Casas - dediquem ao SUS 80% de seus serviços, recebem do sistema apenas 64% de sua receita total, pois a tabela de preços do governo está desatualizada em relação aos valores do mercado. Estimava-se que, no fim do ano passado, elas tinham uma dívida de cerca de R$ 2 bilhões com bancos oficiais e privados. Acumulando prejuízos contínuos por causa da baixa remuneração paga pelo SUS - que, com frequência, atrasa os pagamentos -, sua situação tende a piorar. As tabelas do SUS precisam ser reajustadas com urgência.
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