Foto do(a) page

Conheça o Espaço Aberto na editoria de Opinião do Estadão. Veja análises e artigos de opinião em colunas escritas por convidados e publicadas pelo Estadão.

Opinião|A crise hídrica e o Dia do Meio Ambiente

Atualização:

A comemoração do Dia do Meio Ambiente em meio à maior crise hídrica já vivida pela Região Sudeste do Brasil é ocasião para importantes reflexões dos profissionais de saneamento e meio ambiente e da sociedade brasileira.

A produção econômica já está afetada pelo aumento dos custos de energia, decorrente do uso continuado das termoelétricas, enquanto os reservatórios das cascatas dos Rios Grande, Paranaíba, Tietê e Paranapanema apresentam níveis preocupantemente baixos. A Hidrovia Tietê-Paraná está deixando de operar em razão do calado extremamente reduzido.

Em São Paulo a estiagem já restringe a disponibilidade de água para a indústria e o setor agrícola e diversos sistemas municipais de abastecimento vivem a realidade do racionamento. A situação mais emblemática é a do Sistema Cantareira, com os municípios da região sob restrições e o abastecimento da região metropolitana mantido graças às obras emergenciais realizadas pela Sabesp para retirar água da reserva técnica do chamado volume morto das represas.

A superação da atual situação depende muito do regime de chuvas dos próximos meses. Uma combinação favorável de fatores poderá iniciar a normalização das reservas a partir do próximo verão. Mas as ações para o futuro devem basear-se numa adequada avaliação do que está acontecendo. Tudo indica que estamos vivendo uma nova situação, que pode ser consequência de mudanças em curso nas condições climáticas.

A excepcionalidade, o ineditismo e o caráter extremo do que sucedeu ainda não foram completamente compreendidos e transformados pelos técnicos e dirigentes em novas diretrizes para a possível realidade de estarmos vivendo sob novo padrão. Embora já se tenha falado bastante sobre os valores de chuvas ocorridos, é adequado relembrar que na Bacia do Cantareira, após precipitações abaixo da média em outubro e novembro de 2013, em dezembro tivemos 62,9 mm, 27,7% da média esperada - um volume nunca antes verificado desde que se começou a medir. O mesmo aconteceu em janeiro e fevereiro de 2014, com 87,8 mm e 73,0 mm, respectivamente. Nos meses mais chuvosos do ano hidrológico tivemos chuvas muito abaixo das menores que já haviam ocorrido.

Ainda mais impressionante é a análise das vazões afluentes ao Cantareira. Em janeiro - mês que apresenta média de 70,9 metros cúbicos por segundo e cujo menor valor histórico havia sido de 26,9 m3/s - chegaram ao sistema 15,4 m3/s, ou seja, 21,7% da média esperada e 57,2% da mínima até então. Em fevereiro foi pior: a vazão afluente, de 10,5 m3/s, representou 14,2% da média e 38% da mínima histórica. Vazões afluentes abaixo das mínimas já registradas continuaram em março, abril e maio.

Esses números indicam um evento totalmente excepcional para os padrões dos registros existentes. Ou uma mudança de padrão. A dificuldade que têm os técnicos decorre do fato de as mudanças climáticas, apesar das crescentes evidências que as reafirmam, serem de difícil estudo pelas ciências. Ainda não há como fazer previsões, mas cautelas adicionais e maiores margens de segurança mostram-se recomendáveis.

O recentemente concluído Plano de Aproveitamento de Recursos Hídricos para a Macrometrópole Paulista, o mais abrangente estudo de abastecimento de água já realizado para a região, entre suas conclusões avalia que até 2035 a demanda de água para toda a área, que engloba as Regiões Metropolitanas de São Paulo, Campinas, Santos, mais São José dos Campos e Sorocaba, será elevada em 60 m3/s, considerando usos urbanos, agrícolas e industriais. A avaliação levou em conta avanços tendenciais nos controles de perdas e no uso de água nos processos industriais e agrícolas. A confirmação de um novo padrão hídrico regional poderá significar novas referências de custo da água, pela necessidade de antecipar e de ampliar investimentos em novos aproveitamentos; com isso se colocarão estímulos à mudança mais acentuada também de padrões de uso agrícola e industrial, de redução de perdas nos sistemas urbanos e de reúso da água tratada.

O plano propõe ainda conceitos e diretrizes para que futuras situações críticas sejam enfrentadas por planos de contingência previamente acordados entre as partes interessadas, de modo a reduzir conflitos na aplicação das medidas de enfrentamento.

Outras conclusões importantes foram a necessidade de aumentar a regularização de vazões na região e a importância, de agora em diante, de considerar a integração regional dos sistemas, de modo a aumentar a segurança hídrica de todo o conjunto. A regularização de vazões, ou seja, o aumento da reservação, é fundamental para aumentar a capacidade de enfrentar eventos extremos; se houvesse hoje maior reservação na região das Bacias do Piracicaba, Capivari e Jundiaí, os municípios dessa área teriam muito melhor condição de enfrentamento da crise. Quanto à integração regional, ela não deve ser entendida só como a interligação física de bacias hidrográficas diferentes, mas como todo o planejamento e operação de modo efetivamente integrado, o que permitirá buscar níveis ótimos de aproveitamento, com sistemas funcionando como reservas virtuais uns dos outros.

Estamos enfrentando uma situação que pode vir a afetar profundamente a região onde se concentram parcelas significativas da população e do PIB do País. A emergência de um provável novo padrão climático recomenda que a implementação das medidas propostas no plano seja antecipada e o conceito de integração regional, aprofundado, com a realização de um estudo ainda mais amplo, englobando o Estado do Rio de Janeiro e o sul de Minas Gerais. Essa é uma das grandes questões federativas a condicionar o desenvolvimento econômico e a qualidade de vida no País nos próximos anos.

PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENGENHARIA SANITÁRIA E AMBIENTAL - SEÇÃO SÃO PAULO

Opinião por Alceu Guérios Bittencourt