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A crise na indústria naval

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Por Redação
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A mágica do Estado que tudo pode, movido a voluntarismo e “vontade política”, está se desfazendo. Um dos últimos setores atingidos pela frieza dos fatos foi o da indústria naval – justamente aquele que deveria simbolizar a pujança nacional dentro do projeto desenvolvimentista estatal impulsionado pelos governos petistas.

Cerca de 14 mil trabalhadores foram demitidos no setor somente neste ano, segundo dados do Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval). Conforme mostra reportagem do Estado, vive-se uma crise semelhante à enfrentada pela indústria naval nos anos 80, quando faltavam financiamentos e competitividade.

Trabalhadores experientes no setor ouvidos pelo jornal atestam, no entanto, que a situação atual é ainda pior do que aquela enfrentada na chamada “década perdida”. Naquela época, dizem eles, ainda era possível encontrar emprego, mesmo com dificuldades. Hoje, não – os estaleiros ou estão demitindo em massa para conseguir atravessar a crise ou estão simplesmente fechando as portas.

O saldo entre demissões e contratações no setor entre janeiro e junho deste ano foi negativo em 2.404 empregos, ante um saldo positivo de 740 no mesmo período de 2014. Um ano antes, em 2013, a indústria naval havia registrado um saldo positivo de cerca de 5 mil vagas no primeiro semestre, um desempenho condizente com todo o enorme investimento estatal feito no setor.

Tal investimento foi tratado como estratégico pelos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e de Dilma Rousseff – e, como toda má ideia, esta também não veio desacompanhada. O desejado impulso à indústria naval foi dado não apenas com aporte de vultosos recursos públicos, o que já seria em si discutível, mas também com a malsinada imposição de que as empresas participantes dessem preferência a conteúdo nacional em seus empreendimentos.

Cálculos de dirigentes do setor apontam majoração de 15% nos preços de plataformas, navios e sondas de perfuração por conta dessa exigência. A esses erros se acrescentou ainda outro – o de obrigar a Petrobrás, estatal convertida em instrumento de política industrial, a privilegiar a indústria naval nacional ao fazer suas compras.

O incentivo à indústria naval era obviamente defensável, mas desde que feito com prudência e racionalidade. Como foi um mero impulso nacionalisteiro, a realidade logo se impôs. A falta de competitividade das empresas, o encarecimento da produção graças à política de conteúdo nacional e a dependência extrema de dinheiro público foram uma combinação fatal para as pretensões do governo petista. “É uma situação previsível. Houve tempo para as empresas se estruturarem, melhorarem o desempenho e buscarem competitividade. O dever de casa não foi feito e já se sabia que a ideia de basear a indústria permanentemente em benefícios estatais era errada”, comentou Floriano Carlos Martins, professor de Engenharia Oceânica da Coppe/Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Em maio passado, na ânsia de criar a tal “agenda positiva” para superar a crise de seu governo, Dilma foi ao Estaleiro Atlântico Sul, no Porto de Suape (PE), para inaugurar o navio petroleiro André Rebouças. “Diziam que a gente não era capaz” de lançar o navio, exultou a presidente no palanque. Um mês depois, o estaleiro anunciou a demissão de 330 funcionários, elevando o total de dispensas no ano a cerca de 2 mil.

O resultado da teimosia estatista de Dilma é que, agora, o que restou da indústria naval não está preparado para enfrentar as enormes dificuldades resultantes da crise da Petrobrás, obrigada a rever seus investimentos em razão de erros administrativos e do escândalo de corrupção, e também para suportar os efeitos do ajuste fiscal, que, entre outras coisas, cortou os investimentos do Ministério da Defesa em navios de guerra que deveriam ser construídos aqui.

Antes festejados por Dilma como a prova do “renascimento” da indústria naval brasileira, há estaleiros que hoje não têm condições sequer de pagar as indenizações trabalhistas aos milhares de demitidos.