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Opinião|A culpa não é dos juros

À primeira vista o argumento é convincente, mas essa não é causa da deterioração fiscal

Atualização:

Uma crítica muito comum à PEC 241, que estabelece teto para as despesas primárias da União, formulada principalmente por políticos e economistas de esquerda, é de que a deterioração da situação fiscal se deve mais aos juros do que ao aumento dos gastos não financeiros.

À primeira vista o argumento é convincente. Se considerarmos o setor público consolidado (União, Estados, municípios e estatais), a conta de juros subiu de 4,4% do PIB, em 2012, para 8,5% do PIB, em 2015. Mas essa não é causa da deterioração fiscal.

Diante de tais números, o que se defende aqui parece uma das peripécias aritméticas de Malba Tahan, famoso heterônimo do professor Julio César de Mello e Souza. Não se trata disso e a questão é bem simples. A relação juros/PIB depende da taxa nominal de juro, ainda que a taxa real seja nula ou até negativa, ou seja, nem sequer recompense o detentor de títulos públicos pela corrosão inflacionária. Isso porque os juros são calculados sobre todo o estoque da dívida pública, e essa despesa é fortemente impactada pelo crescimento da inflação. Para facilitar a compreensão deste importante ponto ao leitor não familiarizado com a numerologia financeira, permito-me dar um exemplo simples.

Imaginemos um país com os seguintes dados: PIB = 100; dívida pública = 60; inflação = 0; taxa nominal de juro = 5%. A taxa real de juro também será 5%, já que não há inflação. Neste caso, a despesa de juro como proporção do PIB é de 3%, ou seja, 5% x 60 dividido pelo PIB (que é igual a 100).

Agora suponhamos que a inflação suba para 10% e que o Banco Central mantenha a taxa real de juro em 5%. A taxa nominal de juro saltará para 15%, embora nenhuma vantagem adicional estivesse sendo concedida aos chamados rentistas, dado que o ganho real continuaria sendo de 5%, uma vez que 10% seria a corrosão inflacionária. A nova relação juros/PIB seria: 15% x 63 (dívida pública acrescida dos juros do ano anterior) dividido pelo PIB (agora 110, por causa da inflação e supondo crescimento real zero). Isso dá 8,6%. Ou seja, a despesa de juros como proporção do PIB quase triplicou.

A lição, aqui, é que se trata de erro grosseiro extrair conclusões relativas à evolução do valor da conta de juros, bem como de sua proporção em relação ao PIB, sem levar em conta o que se está passando com a inflação. No exemplo hipotético do parágrafo anterior, o que o governo fez ao elevar a taxa nominal de juro para 15% foi meramente corrigir inflacionariamente a dívida em poder dos credores, sem lhes propiciar qualquer aumento do ganho real. Se nem isso fizesse, não conseguiria refinanciar tal dívida.

Voltemos ao Brasil real. No período 2012 a 2015, enquanto a conta de juros como proporção do PIB subiu de 4,4% para 8,5%, como já mencionei, a inflação (IPCA) elevou-se de 5,9% para 10,7%, ou seja, quase dobrou, descrevendo movimento semelhante ao do nosso exemplo hipotético.

A verdadeira causa da deterioração fiscal foi o aumento da despesa não financeira do governo, combinado com a queda da receita, esta decorrente dos sacos de bondades e da recessão provocada pelos equívocos da política econômica do período Lula-Dilma. Basta lembrar que o superávit primário do governo consolidado, que foi de 2,9% do PIB em 2011, converteu-se em provável déficit de 2,7% do PIB em 2016. Ou seja, em cinco anos houve uma piora fiscal de inacreditáveis 5,6% do PIB, e nesta conta não entram os juros.

A PEC 241 acerta ao adotar teto apenas para as despesas não financeiras do governo. Tal critério é superior ao que está sendo proposto por vários economistas, não necessariamente de esquerda, qual seja, a adoção de metas de resultado nominal, que levam em conta os juros sobre a dívida pública, dada a distorção que a inflação pode provocar nesse indicador.

*ECONOMISTA, DIRETOR-PRESIDENTE DA MCM CONSULTORES, FOI CONSULTOR DO BANCO MUNDIAL, SUBSECRETÁRIO DO TESOURO NACIONAL E CHEFE DA ASSESSORIA ECONÔMICA DO MINISTÉRIO DA FAZENDA