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A decepção com o Mercosul

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Por Redação
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Em poucas palavras, o cientista político francês Olivier Dabène resumiu os decepcionantes 20 anos do Mercosul. A história do bloco "é pontuada por fases de progresso interrompidas por mudanças políticas ou crises econômicas, seguidas de retomadas que suscitam novas expectativas, rapidamente desfeitas", disse Dabène - presidente do Observatório Político da América Latina e do Caribe (Opalc) do Instituto de Estudos Políticos de Paris, conhecido internacionalmente como Sciences Po -, durante a apresentação do relatório anual da Opalc sobre a região, em Paris.Quando, em março de 1991, Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai assinaram o tratado que criou o Mercosul, a iniciativa foi saudada como o início de um processo de integração comercial e econômica que aceleraria o desenvolvimento dos quatro países e lhes daria melhores condições para negociar com seus parceiros comerciais. Desde então, porém, o que de mais grandioso o Mercosul conseguiu exibir foram os discursos de alguns governantes, especialmente do Brasil e da Argentina, enaltecendo as vantagens da integração. Na prática, muito pouco se avançou. E, como resumiu Dabène, quando a integração conseguiu avançar, na sequência houve recuos ou paralisações.Entre os fatores apontados pelo cientista político francês como responsáveis pelas decepções do Mercosul estão as diferenças entre os países que o compõem ou, como ele diz, "a assimetria entre os Estados-membros". De fato, entre eles há notáveis diferenças de nível de desenvolvimento que o bloco não conseguiu eliminar."As assimetrias se aprofundaram, em vez de desaparecer, suscitando uma certa frustração do Paraguai e do Uruguai", afirmou Dabène. Recorde-se que, em alguns momentos, as diferenças quase provocaram o rompimento do Mercosul. O governo do Uruguai, por exemplo, chegou a anunciar que, em defesa dos interesses de seu país e contra as regras do bloco econômico, buscaria acordos comerciais isolados.Dabène apontou também a ausência de instituições capazes de tomar decisões baseadas nos interesses gerais do bloco e aplicáveis aos quatro países-membros que o formam. O Parlasul, que teria esse papel, é apenas um local onde pessoas indicadas pelos respectivos parlamentos nacionais se reúnem para conversar, mas sem poder para decidir.Por isso, na avaliação de Dabène, o Mercosul não é mais do que um mecanismo de coordenação de políticas públicas, especialmente do Brasil e da Argentina, e de sua extensão para os membros menos influentes do bloco, o Uruguai e o Paraguai.Na prática, talvez seja até menos do que isso. Embora formalmente tenha alcançado a condição de união aduaneira, uma etapa superior da integração econômica e comercial que permite a livre circulação de mercadorias e serviços entre os países que a compõem, o Mercosul é apenas um arremedo do que poderia ser. A condição de união aduaneira é negada na prática pelas muitas exceções à regra da Tarifa Externa Comum que a caracteriza.Não é compreensível, além disso, que, numa união aduaneira, um dos membros imponha restrições à entrada em seu mercado de produtos originários de outro, como com frequência tem feito a Argentina, com a tolerância do governo brasileiro.Sem entendimento a respeito de vários aspectos do comércio bilateral, que deveria ser livre de qualquer restrição, esses dois países, os principais do Mercosul e por isso determinantes no rumo que o bloco acabou seguindo, não conseguiram se acertar também com relação a acordos com outros países e blocos. Num dos raros casos em que tiveram posição comum, o resultado foi danoso. Foi na rejeição à constituição da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), que asseguraria melhor acesso do bloco ao imenso mercado norte-americano. Nos demais casos, as negociações se arrastam, como as que estão sendo feitas há vários anos com a União Europeia.Sem acelerar a integração e sem fortalecer o crescimento das economias de seus membros, o Mercosul tornou-se um obstáculo para o Brasil alcançar melhores condições de acesso a grandes mercados mundiais.