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A degradante tutela

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Por Redação
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A situação em que estão as aldeias indígenas situadas no Estado de São Paulo é uma chocante demonstração de profundo desrespeito à dignidade de pessoas que estão submetidas, por preceito constitucional, à tutela da União - como fica evidenciado na reportagem de José Maria Tomazela, publicada segunda-feira no Estado. Cerca de 5,6 mil índios, espalhados por 22 municípios paulistas, sofrem com a falta de saneamento, de condições elementares de higiene, de assistência médica e de outros cuidados básicos que o poder público tem obrigação de prestar a quaisquer grupos de habitantes do País. E o pior é que aquelas carências não ocorrem nos mais remotos rincões do País, mas em prósperas regiões do Estado mais desenvolvido do Brasil, como Guarujá, Itanhaém e Bauru. A reportagem mostra, por exemplo, que os funcionários da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) - órgão federal responsável pela saúde da população indígena - de um posto em Mongaguá que atende 15 aldeias do litoral sul suspenderam as visitas às comunidades alegando falta de condução.O pai de uma criança doente tentava contato urgente com a entidade, mas não conseguia porque o único telefone disponível na região estava quebrado. Apurou, também, que mais de 50% dos índios paulistas não dispõem de qualquer saneamento básico; que a falta de água potável, esgoto e atendimento médico regular afeta pelo menos 15 das 28 aldeias em que vivem índios guarani, terena, caingangue, crenaque e caiuá. E há mais constatações aberrantes, a exibir o incrível descaso quanto à obrigação de a União dar condições mínimas de vida digna às pessoas que estão sob sua guarda: poços de água estão contaminados por coliformes fecais; muitas moradias não têm sequer instalações sanitárias e as que delas dispõem são ligadas a uma rede de esgotos que foi invadida por ratos; na mais antiga terra indígena paulista, a aldeia Kopenoti, em Avaí, o esgoto é drenado para fossas sépticas que extravasaram, formando poças de dejetos nos fundos da escola onde estudam mais de 100 crianças indígenas. Na mesma edição do Estado, uma esclarecedora entrevista com o deputado Aldo Rebelo (PC do B - SP) parece dar a chave para se apurar a razão maior da situação lastimável em que vivem os índios de São Paulo - e, lamentavelmente, também em outros Estados. Coautor com o deputado Ibsen Pinheiro (PMDB-RS) de projeto de lei que obriga o Executivo a submeter ao Congresso Nacional os processos de demarcação de terras indígenas, Rebelo vê, por trás da precariedade do atendimento que os poderes públicos dão aos índios, a intenção de que "o índio continue tutelado". Privados de condições para que se desenvolvam e prosperem dentro das reservas, denuncia o deputado, os índios ficam reduzidos "quase ao status de uma cutia, uma paca, um bicho". Tratando da questão mais ampla das reservas, Aldo Rebelo também chama a atenção para o fato de os índios não serem ouvidos pelas autoridades, nos processos de demarcação de suas terras - que ocorrem a partir de laudos antropológicos nem sempre confiáveis e sob pressão de organizações não-governamentais, que insistem em tutelar os índios e apontar o Estado como ameaça a sua cultura. Na controvertida demarcação contínua da Reserva Raposa-Serra do Sol, Rebelo afirma que um grupo grande de indígenas contestou a demarcação proposta pela Funai, mas não foi levado em conta. Em razão do relacionamento nem sempre amistoso entre grupos de índios que vivem na região - e até pelas diferenças de estágio de evolução em que se encontram - apurou o deputado que muitos indígenas preferiam a demarcação em ilhas, onde cada tribo teria sua área, sem ser obrigada a conviver com outras. Independentemente dos problemas apontados pelo deputado, relacionados à soberania nacional - e das ONGs estrangeiras que usam a "defesa" dos índios para satisfazer cobiças de outra ordem -, veja-se que a pretexto de assegurar a preservação das culturas indígenas (o que, de resto, é exigência constitucional), o que o poder público faz é destruí-las, pelo descaso com que efetivamente as trata.