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A devassa nas ONGs

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Por Redação
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Deve haver um poderoso lobby atuando em favor de um grande grupo de organizações não governamentais (ONGs), que alegadamente funcionam sem fins lucrativos. Em 31 de outubro do ano passado, a presidente Dilma Rousseff, em face das irregularidades constatadas em vários Ministérios, bloqueou por decreto os pagamentos a ONGs, para uma avaliação de contas. Aquelas que fossem consideradas regulares seriam pagas no prazo de 30 dias. Quanto aos convênios "avaliados com restrição", muitos dos quais denunciados por desvio de verbas, teriam 60 dias para comprovar se os recursos foram aplicados licitamente de acordo com os contratos. O prazo venceu no dia 29 de janeiro e, nove dias depois, foi divulgado que o governo havia cancelado, por irregularidade, 181 convênios com ONGs, que, assim, ficavam impedidas de assinar quaisquer contratos com o governo federal. Mas isso não era tudo. Como informou o Estado (8/2), o governo concedeu uma sobrevida a ONGs, prorrogando o prazo para acerto de contas dos convênios, conforme nota conjunta da Casa Civil, Corregedoria-Geral da União (CGU) e Ministério do Planejamento. Agora se sabe que, de um total de 1.403 convênios analisados, restam 305 convênios na malha fina, aos quais foi dado um prazo até o próximo dia 27 para apresentar documentos comprobatórios da destinação dos recursos recebidos, que somam nada menos do que R$ 755 milhões. Espera-se que essa incompreensível leniência do governo tenha fim nesse novo prazo e que sejam revelados, com absoluta transparência, quais as ONGs que tiveram seus registros cancelados, em quais Ministérios, bem como os nomes de seus responsáveis diretos, para que procedam à devolução aos cofres públicos dos valores surripiados.A princípio relutante em se manifestar sobre a prorrogação do prazo, uma decisão que presumivelmente foi tomada em esfera superior à sua, o ministro-chefe da CGU, Jorge Hage, esclareceu que o órgão ainda não tem o total do rombo no caixa do governo. "Só teremos isso depois de instaladas e concluídas as tomadas de contas. Temos apenas a soma dos valores brutos dos convênios que estão sob análise." Mesmo assim, o número e o valor dos convênios sob suspeição são impressionantes, dando credibilidade à presunção de que muitas ONGs foram criadas com finalidades políticas inconfessáveis ou sirvam apenas como biombo para a lavagem de dinheiro e outras formas de corrupção.Deve-se ressalvar que há muitos tipos específicos de ONGs, e que uma boa parte delas, notadamente aquelas que atuam em áreas de reconhecido interesse social, vivem de doações privadas e só eventualmente de verbas públicas; não têm realmente fins lucrativos; são dirigidas por conselhos compostos por voluntários; cumprem as finalidades para as quais foram estabelecidas e prestam contas regularmente aos órgãos competentes.ONGs existem e operam praticamente em todos os países do mundo, mas fatos que levaram à demissão de ministros indicam que, no Brasil, a relativa facilidade para a criação dessas instituições deixou brechas de que se aproveitam políticos corruptos para desvio de recursos, não faltando casos de ONGs registradas em nome de "laranjas" e com endereços falsos ou inexistentes.A medida moralizadora tomada inicialmente pela presidente dava tempo mais que suficiente para que fossem esclarecidos os casos que escaparam à Operação Voucher, deflagrada pela Polícia Federal no ano passado. Alega-se que o não cumprimento do prazo se deve a questões burocráticas, uma vez que só dois ou três Ministérios (não mencionados) haviam entregue no prazo as suas avaliações à CGU. Se este for o caso, o que poderia ser tido como uma desculpa é uma agravante. Antes de mais nada, representa uma desobediência a uma determinação da Presidência da República. A demora na regularização pode levantar também a suspeita de conivência de Ministérios com as ONGs que deixaram de apresentar as prestações de contas.