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A dívida dos Estados

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Por Redação
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Já se tornaram costumeiras - entre a eleição e a posse de um novo presidente - as pressões dos governadores eleitos para que a futura administração federal aceite rever a negociação das dívidas de seus Estados com a União pelo prazo de 30 anos, de acordo com contratos assinados em 1997. Alegam eles que os Estados desembolsarão R$ 34 bilhões para pagar correção e juros da dívida este ano e que, mesmo assim, o seu estoque aumentará em R$ 22 bilhões. A culpa seria do indexador - o Índice Geral de Preços-Disponibilidade Interna (IGP-DI), calculado pela Fundação Getúlio Vargas - que, de acordo com o que está sendo proposto, seria trocado pela taxa Selic, hoje em 10,75% ao ano. Trata-se de casuísmo para atropelar a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), deixando os Estados de assumir qualquer compromisso com a redução do déficit do setor público consolidado.Em primeiro lugar, a Selic não é um indexador, mas a taxa básica de juros. Na verdade, a negociação da dívida dos Estados embutiu um subsídio, pois a taxa de juros foi fixada em 6% ao ano, bem abaixo da Selic praticada ao longo de mais de 13 anos. Se, por hipótese, a Selic funcionasse como indexador, do fim de 1996 a junho de 2010, o custo da dívida teria se elevado 939,9%, enquanto a variação acumulada do IGP-DI, incorporando a taxa de juros de 6%, foi de 700,12% no mesmo período. O crescimento do IGP-DI em 2010 foi excepcional em razão do aumento das commodities no mercado internacional, que tanto influi sobre o Índice de Preços por Atacado (IPA), que tem peso 6 no Índice Geral. A tendência a longo prazo é que o IGP-DI e o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) - a medida oficial da inflação - convirjam. De fato, segundo as últimas projeções do boletim de mercado Focus, o IGP-DI em 2011 deve ficar em 5,31%, muito próximo da variação prevista para o IPCA (5,20%).Se o governo central ceder às pressões principalmente dos governadores eleitos dos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, outras unidades federativas, que vêm cumprindo suas obrigações com o Tesouro, encontrando outras fórmulas para atenuar o ônus em seus orçamentos, poderão pleitear benefícios compensatórios, como assinalou o economista Amir Khair.Isso comprometeria o objetivo declarado da próxima administração federal - já muito difícil de cumprir - de zerar o déficit nominal das contas públicas ao fim de 2014. Os Estados em maiores dificuldades são justamente aqueles que se limitaram a pagar a parcela mínima da dívida negociada, que é de 13% de suas receitas correntes líquidas, deixando o saldo devedor acumular. Não houve preocupação por parte desses Estados em amortizar a dívida com o Tesouro Nacional, fazendo duros cortes de gastos.Se fosse o caso de estabelecer paralelo com a vida cotidiana dos cidadãos, a comparação mais adequada não seria com as vicissitudes daqueles que adquiriram imóveis mediante condições de financiamentos que foram sendo alteradas em um período de hiperinflação, deixando, ao final, resíduos a pagar. Seria mais correto dizer que aquelas unidades federativas se encontram na situação de pessoas que contraíram dívidas em seus cartões de crédito e se limitaram a fazer o pagamento mínimo mensal, deixando o saldo devedor aumentar. Acrescente-se que, no caso das dívidas dos Estados, as regras se mantiveram desde 1997 e a inflação regrediu sensivelmente de lá para cá. Para os Estados que não atingiram seu limite de endividamento há uma saída para reduzir o custo da dívida com a União, que é tomar empréstimos no exterior, a juros baixos, e usá-los para amortizar ou quitar os compromissos internos. A governadora do Rio Grande do Sul, Yeda Crusius (PSDB), por exemplo, recorreu a essa alternativa.Quanto à ideia de os Estados utilizarem para investimentos os recursos que deveriam ser destinados ao serviço da dívida com o Tesouro, trata-se de um despropósito. O País necessita de mais investimentos públicos em vários setores, mas esses devem resultar do corte de gastos correntes, jamais do não cumprimento de obrigações assumidas.