24 de maio de 2014 | 02h03
Também como de costume, o Ministério do Planejamento elevou a inflação projetada para o ano, desta vez de 5,3% para 5,6%. A projeção, como sempre, é mais otimista que a do pessoal do mercado financeiro e das consultorias. Como sempre, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, festeja as poucas novidades positivas e anuncia inflação em queda nos meses seguintes. Mas tudo indica uma repetição mais ampla da história bem conhecida.
Os números mais recentes, o IPCA-15, oficial, e o IPC-S, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), apontaram algum recuo nas últimas semanas. O IPCA-15, divulgado no dia 21, caiu de 0,78% em abril para 0,58% em maio. A queda parece um excelente sinal. Mas o índice de difusão ainda mostrou aumentos em 67,4% dos preços cobertos pela pesquisa. Mesmo com menor pressão dos alimentos, a contaminação permanece muito ampla. O IPC-S, anunciado no dia 23, recuou de 0,78% na segunda para 0,69% na terceira quadrissemana de maio. As médias mensais de aumento dos principais índices de preços ao consumidor continuam acima de 0,5% ao mês - acima, portando, de 6% ao ano. O comentário é o mesmo: falta muito para se alcançar um ritmo civilizado de remarcação de preços.
Além disso, os analistas foram unânimes ao negar qualquer surpresa. Essa evolução era esperada e, além disso, muito parecida com a observada em outras ocasiões. As projeções coletadas pelo Banco Central (BC) indicam recuo das taxas mensais até agosto e em seguida uma reaceleração. Na hipótese mais otimista, os aumentos de juros acumulados a partir de abril do ano passado começam a fazer efeito, impondo freio ao consumo privado. Mas isso, por enquanto, é só uma hipótese.
Além do mais, as contas públicas, um dos principais fatores inflacionários, continuam em mau estado. O governo planeja fechar as contas, mais uma vez, com receitas de concessões, dividendos de estatais e mais uma rodada de pagamentos do Refis, o programa de refinanciamento de dívidas tributárias.
Nada de novo nessa frente. Concessões e dividendos devem render juntos, neste ano, pelo menos R$ 37,4 bilhões. Só isso representa 46,3% do superávit primário de R$ 80,8 bilhões programado para o governo central. Somado o dinheiro do Refis, o total vai além de 70%. Austeridade fiscal? Nem pensar. Também nisso a história se repete, como se o tempo estivesse enfeitiçado.
A repetição é a regra também no conjunto das contas externas. Desde agosto do ano passado o déficit em conta corrente acumulado em 12 meses permanece na vizinhança de 3,6% do PIB. A conta corrente é a soma algébrica da balança comercial, da balança de serviços e rendas e das transferências unilaterais. O déficit final de 2013 chegou a US$ 81,07 bilhões, 3,62% do PIB. O acumulado nos 12 meses até abril bateu em US$ 81,61 bilhões, 3,65% . Para o ano o BC projeta um buraco de US$ 80 bilhões, 3,59% do PIB.
O problema principal, como nos últimos seis anos, é a deterioração do comércio de mercadorias. De janeiro a abril o resultado foi um déficit de US$ 5,57 bilhões, com recuo tanto das exportações quanto das importações. Nas três primeiras semanas de maio houve alguma melhora, mas o acumulado no ano ainda foi um déficit de US$ 4,78 bilhões. Como ocorre há muitos anos, só as exportações de minérios e do agronegócio evitaram um rombo maior. De janeiro a abril o agronegócio contabilizou um superávit de US$ 24,14 bilhões, 0,2% menor que o de um ano antes por causa do recuo de alguns preços. Mas o déficit do conjunto dos manufaturados e semimanufaturados foi mais que suficiente para anular esse resultado e ainda produzir um déficit geral na conta de mercadorias.
Aí aparece, de novo, o problema da competitividade. O agronegócio tem sido capaz de enfrentar os muitos obstáculos da logística, da tributação e outros obstáculos característicos da economia brasileira, mas a maior parte da indústria continua travada pelas ineficiências do ambiente econômico e pelos próprios problemas de produtividade. Feito o balanço geral, a posição do Brasil na pesquisa anual do International Institute for Management Development (IMD), da Suíça, parece muito natural. Numa lista de 60, o País só fica acima de Eslovênia, Bulgária, Grécia, Argentina, Croácia e Venezuela. Em melhores posições aparecem o Chile (31.ª), o México (41.ª), o Peru (50.ª) e a Colômbia (51.ª). Os demais Brics - China, Rússia, Índia e África do Sul - também superam o Brasil.
Se depender da política econômica, ninguém deve esperar grande mudança da história neste ano. Mas se faltar coragem ou competência para a busca de um novo rumo, a repetição será substituída por uma piora do enredo. A marmota, podem acreditar, será inocente.
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JORNALISTA
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