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A encruzilhada do Bolsa Família

Para ser considerado realmente um sucesso, o programa deveria ser um estímulo para que as famílias beneficiadas buscassem melhorar a educação e a saúde de seus filhos

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Por Redação
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Há vários aspectos dramáticos na informação, publicada recentemente pelo Valor, segundo a qual 21% da população brasileira vive com Bolsa Família e que em 11 Estados, todos no Norte e no Nordeste, essa fatia chega a um terço.

Salta aos olhos, de saída, a constatação de que, passados quase 15 anos do lançamento desse programa, não se criaram condições para que os beneficiários pudessem viver sem ele. Mais do que isso: além de tornar dependentes os que recebem os recursos, o Bolsa Família também passou a ser imprescindível para a atividade econômica de muitas cidades do interior do País.

Perpetua-se assim a pobreza que o Bolsa Família alegadamente pretendia mitigar e alimenta-se uma máquina de fraudes, para lucro de comerciantes e autoridades locais, e de encabrestamento de votos em favor de políticos a ele vinculados. Não é à toa que o sr. Lula da Silva, desde sempre identificado como o criador do Bolsa Família, desfruta de cerca de 60% das intenções de voto no Nordeste, região em que o porcentual de beneficiários chega a 48%, caso do Maranhão.

O exemplo maranhense é um poderoso símbolo da incapacidade do Estado de propiciar estrutura mínima para que a miséria seja superada não pelo assistencialismo, mas sim pela dinâmica econômica. Não é de hoje que o Maranhão frequenta a rabeira dos rankings de bem-estar social no Brasil, mas alguns dos números colhidos pelo Ministério do Desenvolvimento Social mostram uma situação de falência completa. Um exemplo é o da cidade de São Raimundo do Doca Bezerra, em que 99,98% de seus quase 5 mil habitantes recebem Bolsa Família. Assim, a economia da cidade funciona apenas como resultado desse ingresso.

O Ministério do Desenvolvimento Social considera que o estímulo econômico gerado pelo Bolsa Família é positivo, pois melhora os indicadores sociais e tem o potencial de aumentar a renda local – há quem calcule que cada R$ 1 do Bolsa Família produza R$ 1,60 em atividade econômica. Sob o ponto de vista dos resultados imediatos, é claro que não se pode questionar o benefício gerado por um programa que cria alguma atividade onde antes não havia nenhuma. No entanto, quando se trata de elaborar políticas públicas, deve-se pensar sempre no longo prazo – o curto prazo só interessa aos políticos em busca de votos e ao mandonismo local, que extrai dividendos da pobreza e inviabiliza a democracia nesses grotões.

Considerar que o Bolsa Família é bem-sucedido porque faz girar a economia de várias cidades denota uma visão equivocada do problema da pobreza do País. Esse aspecto deveria ser considerado negativo, pois, se em 15 anos de Bolsa Família ainda há regiões inteiras do País que dependem do programa, é porque ele não funcionou para o que era receitado – isto é, ajudar a acabar com a pobreza.

Para ser considerado realmente um sucesso, o Bolsa Família deveria ser um estímulo para que as famílias beneficiadas buscassem melhorar a educação e a saúde de seus filhos – as tais contrapartidas exigidas para a concessão do dinheiro. No entanto, as escolas e os postos de saúde não são bons o bastante para proporcionar uma mudança real de perspectiva para os filhos de famílias pobres, e tampouco as prefeituras fiscalizam os beneficiários como deveriam.

Dessa soma de problemas resulta que as famílias não encontram uma porta de saída para o programa, que tende a se perpetuar – e, assim, a se tornar uma mina de ouro para oportunistas. Isso explica a sistemática ocorrência de fraudes, que só têm sido descobertas graças ao pente-fino que o governo passa de tempos em tempos nos cadastros. Os números dão a dimensão do problema: desde 2016 já foram cancelados 4,7 milhões de benefícios irregulares. Considerando-se que o Bolsa Família atende hoje cerca de 14 milhões de famílias, constata-se que as fraudes, que deveriam ser apenas pontuais, constituem seu principal problema. Não se pode dizer que isso seja uma surpresa, em se tratando de um programa que se prestou à demagogia de quem só ganha com a pobreza.