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Opinião|A excitação do fim de um ciclo

Agora que renascemos para uma nova realidade, queremos viver democraticamente

Atualização:

Quando um ciclo se encerra, seja cultural, seja político, um novo ciclo imediatamente se inicia. É esse o momento excitante, quase mágico, que estamos vivendo no Brasil com a eleição de um presidente da República que parece representar o oposto do que temos conhecido nos últimos anos.

Também foram eleitos para a Câmara dos Deputados e para o Senado representantes do povo em número que sugere a possibilidade de aprovação de importantes leis, capazes, quem sabe, de trazer mais igualdade aos brasileiros. O otimismo faz bem ao coração e à alma.

Muitas vezes a vida nos ensina que ao surgir um propósito superior, de interesse do País, convém relevar e passar por cima de antigos ódios e divergências pessoais. Como a Justiça tem o olhar comprido e o dever de não esquecer, é preferível deixar que ela exerça o seu papel e continue a punir aquelas pessoas de mãos cabeludas que durante 13 anos tomaram para si dinheiro do País (mão cabeluda, na linguagem policial, é aquela que vai levando todo o dinheiro que encontra pelo caminho).

Neste momento de esperança em nossa vida, não haverá proveito algum no gesto de dar chicotadas e renovar imputações a pessoas nada honestas que cometeram erros graves, mas ficaram para trás ou atrás das grades. O ciclo dessas pessoas chegou ao fim, incluído o daquele senhor já de avançada idade que obteve o inaceitável e ilegal privilégio de permanecer não preso, e sim hospedado, num cômodo da Polícia Federal em Curitiba.

Possivelmente o tempo dele no cenário político nacional se esgotou, embora seja forçoso reconhecer sua incomparável capacidade de convencer e de ser visto com lentes de aumento por uma enorme faixa da população brasileira. Agora que renascemos para uma nova realidade, não nos podemos esquecer de que queremos viver democraticamente e que a igualdade de uma democracia é uma igualdade de diferenças, não de uniformidades. Temos de aceitar uns aos outros.

Já se levantou que a democracia clássica seria deformada porque na realidade não exige que os cidadãos propriamente ditos governem. Sob certo aspecto, a representação reduz mesmo o papel do cidadão, por permitir a delegação e a criação da estrutura na qual os ocupantes dos principais cargos de governo desenvolverão a seu gosto as políticas nem sempre desejadas pelos representados.

Mas isso não é um defeito da democracia, e sim do inconformismo que acompanha a rotatividade dos cargos. Eleito o representante, aqueles que não o escolheram raramente demonstram a grandeza de aceitar, democraticamente, a opção feita pela maioria e se colocam em posições radicais, que acabam por prejudicar a todos.

Surgem daí desavenças políticas e partidárias, nascedouro de condenações ao sistema democrático. Chega a ser desconfortável a convicção do famoso Norberto Bobbio, quando proclama: “A democracia como autogoverno do povo é um mito que a História desmente categoricamente”. 

Felizmente, não são todos que assim pensam. No livro A Democracia e a Democracia em Norberto Bobbio, o estudioso de temas sociais João Antonio da Silva Filho relembra: “As experiências políticas vividas pela humanidade apontam que a convivência harmônica da diversidade social só ocorre na democracia e é no dinamismo dialético e na valorização da diferença que esta vai ajustando seu próprio caminho”.

Na busca do aperfeiçoamento do regime democrático, temos de afastar a aceitação entre nós, brasileiros, da vocação autoritária ou que pretenda punições a pessoas que não sejam julgadas pelo único Poder escolhido pela Constituição brasileira para fazê-lo, o Judiciário.

Talvez a mais dramática, concisa e ideal declaração da ideologia democrática seja a de Thomas Jefferson, na declaração de independência norte-americana, que foi acolhida e expressada com diferentes palavras na Declaração Universal dos Direitos Humanos, das Nações Unidas, e merece ser relembrada sempre: “... todos os homens são criados iguais, são dotados por seu Criador de certos direitos inalienáveis, que entre eles estão a Vida, Liberdade e a procura da Felicidade; que, para assegurar esses direitos, são instituídos entre Homens Governos, que derivam seus justos poderes do consentimento dos governados; que, sempre que qualquer forma de governo tornar-se destrutiva desses fins, é direito do povo alterá-la ou aboli-la, e instituir novo governo, repousando seus fundamentos sobre os princípios e organizando seus poderes na forma que lhes pareça ter mais probabilidade de promover sua segurança e felicidade”.

Debruça-se sobre nossos olhos, neste momento em que teremos Jair Bolsonaro presidente da República, a clara visão de que o fechamento do ciclo que passou nos abre a oportunidade de revisar, dar novo significado e novo sentido ao governo democrático no Brasil que a maioria da Nação deseja. Não adiantará investir contra pessoas em geral apontadas como responsáveis por nossa infelicidade.

Essa cobrança e essa responsabilização nunca se deverão efetivar por cada um de nós. Nem mesmo o novo presidente poderá assumir tal vocação, porque, para o governante eleito, o objetivo principal deve ser fazer o bem, uma vez que o consentimento dos eleitores tem esse propósito. Quando o governante faz o bem em busca de reconhecimento, conduta repetida no ciclo político e administrativo que se encerrou, esse é o primeiro sinal de que ele não serve, porque sinaliza propósitos continuístas.

Desde aquele momento em que as estrelas foram espalhadas pelo espaço há gente que agarra o poder com todas as forças e demonstra não querer deixá-lo para ninguém. Temos visto isso ao longo dos séculos, repetidamente. Enfim, o poder é mesmo como mulher bonita, ninguém quer deixar para o outro.

*DESEMBARGADOR APOSENTADO DO TJSP, ALOÍSIO DE TOLEDO CÉSAR FOI SECRETÁRIO DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. E-MAIL: ALOISIO.PARANA@GMAIL.COM