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A falta que faz a política

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Por Redação
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No Brasil, quando mais se precisa da política, menos se pode contar com ela. O exemplo do dia, naturalmente, é a anunciada inovação nas regras das cadernetas de poupança, cujos rendimentos passarão a ser tributados em 2011 se os saldos no ano anterior tiverem alcançado R$ 50 mil. Contrastando com um histórico de décadas de simplicidade e isenção tributária, o cálculo do imposto a pagar obedecerá a uma fórmula complicada, que levará em consideração a taxa Selic (o juro básico da economia) e a renda do poupador. O colunista Celso Ming, deste jornal, comparou o esquema à banda diagonal exógena da política cambial que durou dois dias em 1999. O programa da Receita Federal se encarregará da mastigação dos números, mas o fato é que o correntista que não dominar matemática financeira só sentirá o tamanho da mordida no momento de fazer a declaração de ajuste. E tudo isso para quê? A mudança, sujeita à aprovação do Congresso Nacional, deverá afetar apenas 294 mil depositantes e 1% das contas, que concentram 40% dos depósitos, R$ 110,5 bilhões (dados de dezembro último). Tudo ficará como está para os outros 89 milhões de correntistas, com os seus R$ 160,1 bilhões poupados. Foi a precária saída que o governo encontrou para um problema conjuntural enquanto deixava para as calendas o problema estrutural. O primeiro é a propalada migração da clientela dos fundos de investimento para o mais elementar produto oferecido pela banca quando a queda consistente dos juros tornar tais aplicações - que pagam Imposto de Renda na fonte e taxas de administração - eventualmente menos interessantes do que a boa e velha caderneta, que rende 6% ao ano mais a Taxa Referencial (TR). A questão estrutural é neutralizar o limite que essa remuneração fixa impõe à redução dos juros: obviamente, a taxa básica não poderia se igualar ao ganho da poupança, que dirá ficar abaixo disso. É onde entra a falência do sistema político em atender ao interesse nacional. Em qualquer país organizado, pelas suas funções estratégicas para a ordem econômica, a política monetária e os instrumentos de captação e destinação da poupança popular - a caderneta financia habitação e saneamento básico - são questões de Estado. Nas democracias, questões de Estado requerem dos governos e das oposições uma interlocução que coloque entre parênteses a competição eleitoral que dita a conduta de uns e outros na grande maioria das vezes. Essa interlocução não obriga os participantes a abrir mão de suas diferenças doutrinárias (quando existam e mereçam esse nome) para alcançar um consenso a todo custo. Mas pressupõe, nos dois campos, uma lealdade fundamental ao bem público que os induza a procurar soluções de comum acordo - das quais um não possa tirar proveito às expensas do outro. O problema da hora, que deveria conduzi-los nessa direção, não é de pouca monta. Pela primeira vez em mais tempo de que se é capaz de lembrar, o Brasil adquiriu condições de adotar uma política de juros civilizados, comparáveis aos das maiores economias do globo, o que envolve complexas e delicadas decisões de Estado - como o padrão de remuneração dos recursos populares poupados. Mas, para as forças políticas predominantes, nada disso consegue se sobrepor ao interesse pessoal e partidário (no caso do governo) ou partidário e pessoal (no caso da oposição). Do lado do Planalto, ficou claro que a prioridade era não dar aos adversários armas eleitorais em 2010. Daí o presidente Lula ter se decidido por um arranjo de ocasião - a rigor, perfeitamente dispensável - à falta de "vontade política", como diria ele, para encarar o desafio de fundo. As regras da poupança, em última análise, ficaram reféns da sucessão. A última coisa que poderia lhe passar pela cabeça seria chamar as lideranças oposicionistas para acertar a quatro mãos a vinculação da paga da poupança à variação da Selic, ou qualquer outra alternativa para os novos tempos de juros baixos. Mas como criticá-lo por isso se a oposição já o vinha acusando de tramar um confisco da poupança à maneira de Collor? Difícil, em suma, dizer o que é pior: um presidente que, desde o seu primeiro dia, faz cálculos eleitorais a propósito de tudo, ou uma oposição que perdeu o eixo e o senso do seu papel.