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A fantasia de Mantega

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Por Redação
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É difícil duvidar da sinceridade do ministro da Fazenda, Guido Mantega, quando ele afirma estar conduzindo uma política de longo alcance, com medidas calculadas para tornar a economia brasileira mais eficiente e mais competitiva. A ação oficial, segundo ele, vai muito além de um conjunto de medidas setoriais e destinadas a estimular o crescimento no curto prazo. Essas declarações foram uma resposta a críticas formuladas nos últimos dias por economistas independentes, analistas econômicos e até por especialistas vinculados ao setor público. O ministro deu a impressão de acreditar nas próprias palavras e esse foi o aspecto mais preocupante de seu pronunciamento. Os problemas de quem produz no Brasil vão muito além daqueles enfrentados com as iniciativas do governo - uma porção de remendos mal costurados. Mas a presidente Dilma Rousseff e os condutores da política econômica preferem distribuir benefícios a setores selecionados e continuar evitando as tarefas mais complicadas, como a reforma efetiva dos impostos, a melhora da administração federal e a racionalização do gasto público. O ministro apontou a redução dos juros, as intervenções no câmbio e as desonerações fiscais limitadas como grandes avanços na direção de reformas de longo alcance. Dia a dia os fatos desmentem essa avaliação da política econômica. A redução dos juros básicos, o barateamento do crédito ao consumidor e a expansão dos empréstimos foram insuficientes, até agora, para reativar a produção industrial. As vantagens setoriais produzem efeitos localizados, facilitando a venda de automóveis, por exemplo, mas com poucos reflexos no conjunto da indústria manufatureira. Parte importante do estímulo acaba vazando para o exterior. De janeiro a junho o valor das exportações foi 1,7% menor que o de um ano antes, enquanto o das importações foi 3,7% maior. Os preços da soja em grãos e de algumas poucas commodities impediram um resultado pior. O resultado pífio do comércio exterior desfez também outra fantasia. Entre setembro do ano passado e junho deste ano o dólar se valorizou mais de 20%, em relação ao real, mas o superávit comercial minguou. No primeiro semestre, foi 45,9% inferior ao de janeiro a junho de 2011. Errou, portanto, quem atribuiu as desvantagens da indústria na competição internacional, principalmente ao câmbio valorizado. Esse erro era evidente para quem se dispusesse a contemplar os fatos com algum realismo, mas o governo - e muitos empresários, é preciso reconhecer - preferiu menosprezar as desvantagens mais graves, como a tributação irracional, a logística deficiente, os custos resultantes da insegurança e tantas outras deficiências observadas no dia a dia da atividade empresarial e da vida dos brasileiros. A desvalorização cambial foi muitas vezes usada no Brasil para compensar e disfarçar as deficiências do sistema produtivo. Combinada com um persistente protecionismo, essa política contribuiu, a longo prazo, para o adiamento de muitas ações necessárias à modernização econômica e social do País. O governo tem exibido uma indisfarçável inclinação para esse tipo de política. Se essa inclinação continuar prevalecendo, as esperanças de consolidação de uma economia adequada à era da globalização entrarão pelo ralo. O ministro da Fazenda acertou ao mencionar os problemas internacionais e a lentidão provável da recuperação econômica do mundo rico. Neste momento, também a China e outros emergentes dinâmicos parecem perder impulso. Nenhum desses dados justifica, no entanto, a concentração da política oficial em medidas de curto prazo. O Brasil enfrenta, sem dúvida, problemas conjunturais, mas suas deficiências mais importantes e mais perigosas são de outro tipo. A crescente dificuldade da empresa brasileira para ocupar espaços no mercado global e até para defender suas posições no mercado interno resulta de algo bem mais grave que uma conjuntura desfavorável. Enquanto desprezar esse dado, o governo continuará praticando a política de miudezas. Um dia os demais países sairão da crise, provavelmente mais produtivos do que hoje. Quando sair da crise, o Brasil, se nada mudar, estará muito mais fraco do que hoje.