01 de setembro de 2014 | 02h04
Como se isso fosse irrelevante - e talvez seja mesmo, nas condições políticas e administrativas do Brasil de hoje -, o Executivo projetou o Orçamento com base em parâmetros definidos na proposta de uma LDO ainda sem aprovação. Para estimar a receita e a despesa do próximo ano, os técnicos tomaram como base um crescimento econômico real de 3% acompanhado de uma inflação de 5%, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Esses números talvez tivessem algum sentido em abril, embora isso seja discutível. Hoje é muito difícil levá-los a sério, principalmente como bases de um plano financeiro.
No último relatório trimestral de inflação, com data de junho, o Banco Central (BC) projetou inflação de 6,4% para este ano, 5,7% para 2015 e 5,1% para os 12 meses terminados em junho de 2016. O crescimento econômico para os quatro trimestres até março de 2015 ficou em 1,8%. Pelas contas do mercado financeiro, o Produto Interno Bruto (PIB) aumentará 1,2% e a inflação chegará a 6,28%. Nas projeções divulgadas em julho pelo Fundo Monetário Internacional, o avanço do produto brasileiro no próximo ano será de 2% - melhor, em todo caso, que o de 2014, estimado em 1,3%.
A crise está passando, disse o ministro da Fazenda, Guido Mantega, ao comentar a possibilidade de um resultado fiscal melhor que o esperado para este ano. Para o governo central está previsto, em princípio, um superávit primário - dinheiro para o pagamento de juros - de R$ 114,7 bilhões, equivalente a 2% do PIB. Mas já se antecipa no projeto um possível abatimento de R$ 28,7 bilhões, ou 0,5% do PIB. A justificativa, como sempre, seria a destinação dessa quantia a investimentos. Com isso, o esforço fiscal de 2% do valor produzido na economia brasileira já se reduz, preventivamente, a 1,5%. Se tudo correr muito bem, os governos de Estados e municípios poderão produzir 0,5% de superávit primário, elevando o total a 2%.
O resultado prometido para este ano, equivalente a 1,9% do PIB, é assunto já superado. O governo central só entregará a sua parte, de R$ 80,7 bilhões, se conseguir juntar uma boa soma de receitas fora da rotina fiscal, como dividendos, bônus de concessões de infraestrutura e parcelas de tributos refinanciados. Essas parcelas, segundo Mantega, podem ficar entre R$ 18 bilhões e R$ 20 bilhões.
Outro recurso usado com frequência pelo Tesouro tem sido a chamada pedalada - o atraso no desembolso de transferências, pagamentos de benefícios e assim por diante. Os bancos federais têm adiantado o dinheiro.
Não há nada irregular em pedaladas, disse o ministro. Essa é uma opinião discutível, mas, de toda forma, o ponto mais importante é outro. Quem chamará de sério um governo, quando o Tesouro só consegue fechar suas contas com pedaladas e receitas ocasionais, como dividendos, bônus e recebimentos de impostos refinanciados?
O ministro ainda apresenta como sinal de austeridade a manutenção do gasto com pessoal na faixa de 4,1% a 4,2% do PIB. Será mesmo? Só aumentando mais que os índices de inflação essa despesa se mantém mais ou menos constante como porcentagem do PIB. Isso é crescimento real em termos monetários. Qual tem sido o benefício desse aumento para a administração e para o público? As autoridades normalmente ficam longe desse assunto.
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