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A fraca defesa de Cameron

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Por Redação
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O primeiro-ministro britânico, David Cameron, com certeza nunca ouviu falar da cantora e compositora brasileira Dolores Duran. Mas, ao depor na Câmara dos Comuns sobre o que respingou no seu governo do escândalo dos grampos telefônicos encomendados pelo tabloide News of The World (NoW), do conglomerado de mídia de Robert Murdoch, o líder conservador como que parafraseou os versos do samba-canção Castigo, que ela escreveu em 1958, um ano antes de sua morte prematura: "Se eu soubesse / naquele dia o que sei agora..."Foi o seu pueril argumento para se declarar inocente da acusação de ter sido no mínimo irresponsável quando, em 2007, convidou o ex-editor do NoW Andy Coulson para assessor de imprensa e - mais importante do que isso - quando, em 2010, o nomeou diretor de comunicações do governo que havia acabado de assumir. Tudo indica que Cameron não quis saber dos fortes indícios de que Coulson, ao contrário do que assegurava, ou tinha conhecimento ou mesmo autorizara escutas clandestinas de cidadãos britânicos.Para começar, Coulson deixou o NoW quando um dos seus editores e o araponga que ele contratou foram para a cadeia por grampear telefones da família real. Depois, Cameron desprezou sucessivas advertências de colaboradores para não levar o jornalista de má reputação para o serviço público. E ainda o manteve no cargo, até ele se demitir em janeiro último, embora o New York Times tivesse noticiado quatro meses antes que Coulson estava ciente das práticas torpes que acabariam levando Murdoch a fechar o pasquim.O "retrospecto" - termo empregado repetidas vezes por Cameron ao longo das oito horas da sessão do Parlamento - joga contra ele, portanto. Expôs a fragilidade da sua alegação de que se então soubesse o que sabe agora não teria dado emprego ao jornalista marrom de quem se dizia amigo até dias atrás e de quem passou a se dissociar. Mas, por ora, só recebeu um "castigo", como diria Dolores Duran: as vaias da oposição trabalhista no correr da sabatina que um observador comparou a uma briga de rua.O caso Colson, na realidade, é apenas a ponta do iceberg da espúria intimidade entre os políticos britânicos e o império de comunicações de Murdoch, trazida à tona com estrépito pela crise que revelou também a cumplicidade remunerada de agentes da famosa Scotland Yard com repórteres do NoW. Na véspera do depoimento de Cameron, uma comissão do Parlamento ouviu Murdoch admitir que entrava pela porta dos fundos de 10, Downing Street, para falar com o primeiro-ministro (como fizera na gestão precedente do trabalhista Gordon Brown).É mais grave do que isso: em seus 15 meses de governo, Cameron se encontrou 26 vezes ou com Murdoch ou com executivos e editores da News International, o braço britânico da News Corp., a holding dos seus bilionários empreendimentos. Os mais importantes desses encontros decerto giravam em torno do plano de Murdoch de assumir o controle total da BskyB, a gigante da TV paga na Grã-Bretanha, para o que dependia do aval do governo. O escândalo o fez adiar o projeto.A oposição deu a Cameron sete oportunidades para desmentir que alguma vez tivesse tratado do negócio da BskyB com Murdoch e seu pessoal. Não aproveitou nenhuma. Limitou-se a declarar que jamais teve "conversas inapropriadas" sobre isso - o que fez mais de um jornalista lembrar as evasivas do então presidente americano Bill Clinton sobre o seu caso com a estagiária Monica Lewinsky. O futuro político de Cameron depende do aparecimento, ou não, de evidências que o contradigam em relação aos dois assuntos que o assediam: Colson e BskyB.É inegável, de toda sorte, que ele saiu melhor de Westminster do que ali entrou para se explicar - apesar das vaias. Cameron aproveitou para anunciar os membros da comissão de sete notáveis por ele criada para investigar os grampos, a imprensa, a polícia, os políticos - e, de quebra, a BBC e as redes sociais. E os liberais-democratas, fiel da balança do seu governo, se mostraram mais simpáticos a ele do que em qualquer outro momento nas últimas semanas.