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A França em convulsão

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Por Redação
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Às vésperas da votação final do projeto apresentado pelo presidente Nicolas Sarkozy, que eleva em dois anos a idade exigida para a aposentadoria, a França foi tomada por uma sequência de greves, bloqueios de estradas e avenidas, escassez de combustível e atos de vandalismo. Às paralisações decretadas pelos sindicatos de trabalhadores no amplo setor de serviços públicos, como os dos petroleiros e ferroviários, somaram-se as violentas manifestações de rua dos estudantes e jovens em geral.As "arruaças", como as chamou Sarkozy depois de formar um Gabinete de crise para enfrentar antes de mais nada o desabastecimento de gasolina e diesel, lembram os distúrbios que se seguiram à morte de dois adolescentes por forças policiais, em 2005 e 2006, incendiando as periferias das grandes cidades francesas, na maior confrontação a que o país assistiu desde o Maio de 1968. Mas agora a fúria dos jovens resulta de uma mescla de disseminado repúdio ao presidente com a inquietação sobre os efeitos da reforma para a geração que se prepara para entrar no mercado de trabalho.O temor é que o aumento de 60 para 62 anos do limite mínimo de permanência dos assalariados na ativa - e de 65 a 67 anos para o recebimento continuado do salário integral - restrinja ainda mais a oferta de emprego aos recém-saídos dos liceus e faculdades. A experiência internacional não lhes dá razão. Nas economias dinâmicas, a demanda por mão de obra não discrimina faixas etárias. Mas, ainda que esse fosse o caso, o sistema previdenciário francês - cujo déficit equivale a 7,7% do PIB - caminha rapidamente para o colapso.A causa é por demais conhecida: a lei de bronze das mudanças demográficas provocadas pelo próprio desenvolvimento das sociedades e que tornam inviável o pacto social entre as gerações na sua forma clássica. As pessoas vivem cada vez mais e têm menos filhos do que os seus avós ou mesmo os seus pais. Com isso, na ordem geral das coisas, diminuem os meios (contribuições previdenciárias da população ativa) capazes de suportar o custo das aposentadorias de uma população cuja expectativa de vida não para de aumentar. Quando a economia rateia, gerando desemprego, o fosso tende a se tornar intransponível.Do presidente Sarkozy, os franceses podem dizer o que se queira: arrogante, mentiroso, vulgar, exibicionista, como o descreveu o correspondente do Estado em Paris, Gilles Lapouge. Mas, justiça se lhe faça, ele agiu de acordo com as suas responsabilidades ao propor a reforma da previdência, ao conseguir que fosse aprovada na Câmara dos Deputados e, em primeira votação, no Senado - e, sobretudo, ao não ceder às pressões da rua. O que não deixa de ser notável quando se tem em conta que 73% da população defende a retirada do projeto e 69% apoiam os protestos que a medida desencadeou."Essa reforma é essencial", reiterou Sarkozy, numa reunião com líderes estrangeiros em Dauville, na segunda-feira. "A França está comprometida a fazê-la e levá-la adiante." De seu lado, o primeiro-ministro François Fillon descartou sumariamente a possibilidade de retirar a proposta do Senado - onde enfrentará uma barragem de mais de 500 emendas apresentadas pela oposição. A expectativa do governo é que, se o projeto for aprovado sem desfiguramentos que o esvaziem, as contas do sistema previdenciário voltarão a fechar em 2018.O irônico é que, a julgar pela virulência do movimento antirreformista, a França parece ser o primeiro país europeu a modificar as regras da aposentadoria. Na verdade, foi precedida pela Alemanha, que elevou o patamar de acesso à jubilação de 65 para 67 anos, e pela Grã-Bretanha, Itália e Portugal (para 68 anos, porém de forma escalonada). A Suécia, sinônimo de Estado do Bem-Estar Social, simplesmente extinguiu a aposentadoria compulsória a partir de certa idade. Já o Partido Socialista Francês promete revogar a reforma de Sarkozy, se for aprovada, caso volte ao governo nas eleições nacionais de 2012. Para muitos franceses, benefícios sociais são "imexíveis", tenha ou não o Estado os recursos para provê-los.