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A globalização e o risco Trump

Presidente americano tem assustado o mundo mesmo sem recorrer à mãe de todas as bombas e ao desavisado anúncio da movimentação de navios de guerra

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Por Redação
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Donald Trump é mais assustador que Kim Jong-un, segundo um dos mais importantes apresentadores da TV estatal russa, Dmitry Kiselyov. A comparação entre o presidente dos Estados Unidos e o ditador da Coreia do Norte poderia ser apenas mais um sinal do estranhamento, inesperado até há pouco tempo, entre o líder americano e seu colega Vladimir Putin. Mas Trump tem assustado o mundo mesmo sem recorrer à mãe de todas as bombas e ao desavisado anúncio da movimentação de navios de guerra. Seu discurso inclui protecionismo comercial, abandono de acordos internacionais e afrouxamento da regulação bancária. São ameaças mais que suficientes para inquietar quem se preocupa com o futuro da economia global. A preocupação tem sido evidente nos estudos apresentados em Washington, na reunião de primavera do Fundo Monetário Internacional (FMI). 

Mas os temores surgiram há mais tempo. Em janeiro, dias antes da posse do novo presidente americano, suas promessas foram um dos grandes temas da reunião do Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça. Na primeira sessão plenária, o presidente da China, Xi Jinping, discursou em defesa da globalização, listando as principais vantagens da liberalização comercial. Não mencionou o nome de Trump, mas nem precisaria. Mesmo sem ter assumido a presidência, Trump mandou a Davos um colaborador de campanha para defender sua política e tentar diminuir as preocupações. Mas o grande sucesso foi mesmo o pronunciamento do governante chinês, um dirigente comunista, ou supostamente comunista, empenhado na integração de mercados e na defesa dos acordos da Organização Mundial do Comércio (OMC). O diretor-geral da OMC, Roberto Azevêdo, também esteve em Davos, defendendo a liberalização das trocas e falando contra o protecionismo. Reconhecendo o aumento da desigualdade, o desemprego e os problemas sociais acumulados nos últimos anos, Azevêdo atribuiu esses desajustes mais à mudança tecnológica do que à concorrência comercial.

Mas nem só as promessas de Trump representam ameaças ao comércio internacional e ao sistema de acordos multilaterais. O avanço do nacionalismo em várias economias fortes amplia a percepção do perigo. A primeira-ministra do Reino Unido, Thereza May, também foi a Davos para se explicar e para tentar distinguir-se do recém-eleito presidente americano. Mas a onda nacionalista é maior e bem definida, em sua forma populista, na França da candidata Marine Le Pen.

Dois dos principais documentos produzidos periodicamente pelo FMI trataram dessas ameaças. Embora a onda nacionalista e protecionista seja visível em vários países, a maior parte das análises cuidou principalmente das promessas políticas de Trump, sem referência explícita a seu nome. O Panorama Econômico Mundial destacou o aumento da atividade e a melhora das perspectivas na maior parte dos países. Mas o recado aparentemente otimista foi acompanhado de advertências. Uma delas apontou a produtividade insuficiente para garantir um ritmo de atividade muito mais intenso que o atual. A outra, mais grave, ressaltou o risco político embutido nas tendências protecionistas e contrárias à cooperação internacional. O economista-chefe do FMI, Maurice Obstfeld, enfatizou esses riscos na introdução ao Panorama e na entrevista sobre o documento.

O Relatório de Estabilidade Financeira, distribuído um dia depois, também ressaltou os perigos da onda nacionalista, apontando os custos de um aumento das barreiras comerciais e de um afrouxamento das normas bancárias. As economias emergentes estarão entre as mais prejudicadas. Os economistas do FMI reconhecem, como os da OMC, a distribuição desigual dos benefícios da globalização. Os governos, segundo eles, terão de resgatar e integrar os desfavorecidos, sem abandonar as comprovadas vantagens da integração e da cooperação. É a resposta racional. Mas pode ser difícil sobrepor a racionalidade ao discurso populista.