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A Grande Maçã ou será abacaxi?

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Por Ilan Goldfajn
4 min de leitura

Estive em Nova York na semana passada. Clima de crise nos bancos, nos fundos de investimento e nas repartições públicas. Nas ruas, menos exuberância. Quem conhece nota a falta de lojas tradicionais e se surpreende com os restaurantes sem fila. Mas o consumismo ainda é suficiente para impressionar o visitante. A sensação é que o ajuste global em direção a menos consumo ainda está em formação. O economista-chefe de um grande banco leva o refrigerante que sobrou na mesa e brinca que será seu único bônus no ano. "Bem feito!" tem sido a reação do grande público, que tem sofrido com as consequências da crise, sem acreditar ter-se beneficiado do período de exuberância. Para o Brasil o fim desse período de exuberância significa menos de tudo: financiamento externo, influxos de capital (para investimento direto, lançamentos na bolsa, títulos do governo), volume e preço das exportações. A pergunta é: quanto menos? Nas conversas, a política econômica brasileira sobressai e é bem vista no exterior. O Banco Central do Brasil, por exemplo, goza de uma reputação superior à da maioria dos seus pares no mundo. Nada que isole o Brasil da crise mundial. Mas ajuda a separar o joio do trigo. E em Nova York o joio não são somente a Venezuela, a Argentina e outros "companheiros" que vão precisar lidar com a crise em condições adversas. Os investidores andam ariscos com outras economias também, como a do México e a da Rússia. Após a depreciação de quase todas as moedas de países emergentes no ano passado, o real estabilizou-se este ano num novo patamar, em torno de R$ 2,30 por dólar (digamos, numa faixa entre R$ 2,20 e R$ 2,40). Já o rublo, da Rússia, e o peso mexicano continuaram a se depreciar (20% e 10%, este ano, respectivamente), apesar das seguidas intervenções dos seus bancos centrais. A Rússia já usou mais de US$ 200 bilhões de suas reservas, mas sua dívida externa é ainda maior que suas reservas totais (hoje, US$ 380 bilhões). A Rússia, assim como o México, perde com a queda de 75% do preço do petróleo desde o auge em junho do ano passado. O México ainda sofre pela proximidade dos EUA: 80% das suas exportações são direcionadas para o vizinho do norte e em torno de 2,5% do PIB é a receita das remessas de mexicanos que trabalham nos EUA. Tanto as exportações quanto as remessas dos mexicanos estão sendo afetadas pela recessão. É bom lembrar que ambos os países (assim como o Brasil) continuam usufruindo o grau de investimento das agências de classificação de risco (sim, aquelas mesmas agências que perderam a reputação na crise). O noticiário (O Globo, 13/2) revela uma indiscrição de Lula, que, num encontro com empresários, revelou um pedido do presidente do México, Felipe Calderón, de juntos ingressarem numa linha do Fundo Monetário Internacional (FMI). Imagino que a ideia seja a de ter à disposição linhas de financiamento baratas, e sem as condicionalidades habituais do FMI (não haveria necessidade de programa), para ajudar a suavizar o impacto da crise nos fluxos de capital. Pelo noticiário, Lula rejeitou o pedido, provavelmente pelo estigma que o dinheiro associado ao FMI traz. Revela, também, o atual grau de preocupação relativa, México com pressão alta, enquanto o Brasil passa por um período relativamente menos conturbado. Pessoalmente, fico desconfortável (e desconfiado) quando vejo outras economias em dificuldade e o Brasil recusando dinheiro barato. Até quando os investidores vão (corretamente) diferenciar o Brasil desses outros emergentes? Por enquanto, o fluxo de capital para o Brasil tem sido melhor do que o esperado. O investimento direto para o País foi surpreendentemente positivo em dezembro - em torno de US$ 8 bilhões, sendo US$ 3 bilhões uma operação atípica - e tudo indica que o investimento em janeiro terá sido bom. Mesmo assim, espera-se uma queda no fluxo de investimentos este ano. Os números recentes dão a esperança de que essa queda seja administrável, já que a necessidade de financiamento do balanço de pagamentos é moderada. Por um lado, estima-se que o déficit em conta corrente fique entre 0 e 1% do PIB, pouca coisa. Por outro, o Banco Central está suprindo a falta de financiamento externo com leilões para abastecer as empresas com linhas de financiamento exterior e recursos para a rolagem da dívida externa que vence este ano. Analiso as contas externas do Brasil não somente em função da pressão crescente dos mercados sobre outras economias emergentes, mas também da falta de recursos que o mundo deve continuar experimentando ao longo deste ano. A percepção é que o pacote do presidente Barack Obama e suas diversas linhas de financiamento/ajuda mal conseguem cobrir as perdas atuais e futuras para o sistema financeiro nos EUA. Na melhor das hipóteses, haverá uma normalização lenta do funcionamento dos mercados, ainda emperrados com a crise. Dificilmente haverá sobra para voltar à situação anterior à crise. O período de abundância de capital ficou para trás. Recursos baratos, potencialmente, só os oficiais, como os negociados com o Federal Reserve (Fed), o banco central dos EUA, ou, caso haja vontade política, os recursos de novas linhas do FMI. Visitar hoje em dia a Grande Maçã, como é chamada Nova York, dá a sensação de mergulhar num abacaxi. Como resolver o problema dos bancos "zumbis" que sobrevivem a duras penas na atual crise? Como voltar a fazer os mercados funcionarem? Quão profundo é o ajuste e quanto tempo vai demorar o mundo para se ajustar a uma riqueza globalmente menor? Dá conforto pelo menos saber que o Brasil não é mais a bola da vez. Foram anos de política econômica consistente (câmbio flutuante, metas de inflação, superávit primário). Pena que seja essa mesma política que os seus adversários querem derrubar a reboque da crise internacional. Ilan Goldfajn, diretor da Ciano Consultoria e do Iepe da Casa das Garças, é professor da PUC-Rio. E-mail: igoldfajn@cianoconsultoria.com.br