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A guerra contra o fumo

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Por Redação
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A derrubada parcial da lei que bane o fumo em ambientes fechados públicos e privados no Estado de São Paulo - por decisão do juiz Valter Alexandre Mena, da 3ª Vara da Fazenda Pública da capital, que acolheu mandado de segurança coletivo impetrado pela Associação Brasileira de Gastronomia, Hospedagem e Turismo (Abresi) - não causou surpresa nos meios jurídicos. A decisão, que favorece 300 mil proprietários de bares, restaurantes e hotéis, era esperada desde o momento em que o governador José Serra mobilizou a bancada situacionista na Assembleia Legislativa, no ano passado, para aprovar a lei estadual antifumo. Ao impor medidas excessivamente severas, que entrariam em vigor no início de agosto, prevendo multas de até R$ 3 mil, fechamento de estabelecimentos comerciais por 30 dias e proibição de cigarros até em prédios residenciais, sob a justificativa de preservar a saúde da população, o governador feriu direitos individuais assegurados pela Constituição e foi muito além da esfera de competência dos governos estaduais. Antes mesmo de ser formalmente notificado da decisão do juiz da 3ª Vara da Fazenda Pública da capital - que não só concedeu a liminar pedida, como também julgou o processo no mérito, afirmando que a lei antifumo paulista foi concebida "sem exata noção de viabilidade e consequências" -, Serra anunciou que irá recorrer. Enquanto isso não ocorre, ele poderá sofrer novas derrotas judiciais, uma vez que tramitam em outras varas da Justiça estadual mais quatro ações contra a lei antifumo, impetradas por entidades dos setores de comércio e serviços. Os advogados dessas entidades alegam que a competência para legislar sobre a matéria é basicamente da União e que as legislações estaduais eventualmente concorrentes não podem ferir o princípio da hierarquia das leis assegurado pela Constituição - argumento que tem sido acolhido pela Justiça e é endossado por especialistas em direito constitucional. Os advogados de associações de bares, hotéis, restaurantes e shopping centers lembram ainda que, desde 1996, está em vigor uma lei federal que obriga empresas e estabelecimentos comerciais a ter áreas exclusivas para fumantes, devidamente isoladas e com "arejamento conveniente". Além disso, há dois anos a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) regulamentou os chamados "fumódromos", exigindo metragem mínima e exaustores. Em defesa da lei antifumo, o governo paulista partiu para o ataque contra a indústria de cigarro, acusando-a de estimular ações judiciais, e afirmou que teve de legislar sobre a matéria porque a legislação federal não estaria sendo cumprida e as providências anunciadas pela Anvisa jamais teriam saído da gaveta. Além disso, alegou que os "fumódromos" não são eficazes para proteger a saúde dos não-fumantes. E, depois de estimular o sindicato de garçons a entrar na Justiça para tentar derrubar as ações movidas por entidades patronais, anunciou que, independentemente da decisão do juiz da 3ª Vara da Fazenda Pública da capital, os 250 fiscais já contratados pela Secretaria da Saúde para fiscalizar o cumprimento da lei antifumo estadual começarão uma operação "caça fumaça" a partir do dia 6 de agosto. Como os 300 mil bares, restaurantes e hotéis beneficiados pela decisão do juiz Valter Alexandre Mena agora se consideram "juridicamente blindados", o embate entre a Abresi e as autoridades estaduais pode resultar numa longa batalha judicial. Do ponto de vista legal, se a decisão da 3ª Vara da Fazenda Pública da capital não for derrubada por algum recurso, as multas aplicadas pelos fiscais não poderão ser cobradas, pois o Executivo não pode se sobrepor às sentenças da Justiça. Como a aprovação da lei antifumo paulista envolve uma discussão sobre competências legislativas, sobre legislações concorrentes e sobre direitos individuais - isto é, sobre questões constitucionais -, a decisão do caso acabará ficando a cargo do Supremo Tribunal Federal (STF). Ninguém discute os efeitos maléficos do fumo. O que não se pode admitir, contudo, é que, em nome da preservação da saúde pública, a ordem jurídica seja desrespeitada. Caberá ao STF definir o limite das competências de um governador de Estado no combate ao fumo.