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A guinada de Hollande

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Por Redação
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Isso é que é captar a mensagem das urnas. Um dia depois de o Partido Socialista do presidente François Hollande tomar uma histórica traulitada no segundo turno das eleições municipais francesas, domingo, ele mudou o governo da água para o vinho - e só faltou dizê-lo com todas as letras. "Uma nova etapa se abre. Uma equipe mais coesa, um governo de combate", proclamou, ao anunciar a substituição do inexpressivo primeiro-ministro Jean-Marc Ayrault pelo ministro do Interior, o linha-dura pró-mercado Manuel Valls, de 51 anos, a figura mais popular do Gabinete e o preferido do público para o cargo. Desde que se elegeu há 22 meses, removendo do Eliseu o ebuliente Nicolas Sarkozy, da União por um Movimento Popular (UMP), de centro-direita, o presidente que não desgostava de ser chamado "Monsieur Normal" carregava o fardo do apelido "Pudim", por sua presumível falta de consistência. Justifique-se ou não o depreciativo, o fato é que ele fracassou em aprumar a economia e o nível de emprego no país - o foco de sua campanha. A França fechou 2013 à beira da estagnação, tendo crescido ínfimo 0,3%. Não admira que a aprovação a Hollande esteja abaixo de 20%, o pior resultado para um presidente francês em mais de meio século."Poucas mudanças e muita lentidão. Poucos empregos e muito desemprego. Pouca justiça social e muitos impostos", ele próprio admitiu, ao falar na noite da "punição", como a mídia classificou a débâcle socialista sem paralelo desde 1954. Os eleitores de Hollande foram os primeiros a castigá-lo, abstendo-se de votar. Daí o comparecimento às urnas ter ficado em 62%, aquém dos padrões nacionais. Os candidatos do UMP desbancaram os socialistas em 160 municípios com mais de 10 mil habitantes. Até a Frente Nacional, de extrema direita, teve o seu melhor resultado nessa faixa (11 prefeitos) em quase 20 anos. Os maiores êxitos da agremiação de Marine Le Pen ocorreram em cidades fortemente atingidas pelo desemprego. Para estimular a criação de postos de trabalho, Hollande anunciou um corte de encargos trabalhistas da ordem de 30 bilhões, dando vida ao "pacto de responsabilidade" que ofereceu ao patronato em janeiro, em troca de mais empregos. Sem dar detalhes, falou em oferecer incentivos à competitividade da França no mercado europeu. Já no "pacto de solidariedade" prometeu baixar a carga tributária que incide sobre os assalariados e aumentar a proteção social. Uma lipoaspiração de 50 bilhões nos gastos públicos financiaria as medidas - uma conta duvidosa. Nem todas elas, porém, haverão de ser abraçadas entusiasticamente por Manuel Valls, o novo premiê. É uma figura peculiar na política francesa. O catalão de nascimento que já tentou sair candidato à presidência da República, e decerto voltará a fazê-lo, é filiado a um partido do qual, se pudesse, removeria a palavra "socialista". Ele se opõe também à jornada de 35 horas semanais de trabalho - menina dos olhos, há mais de uma década, dos seus soi-disant camaradas - e prega políticas econômicas liberalizantes, desprovidas de "demagogia", mais responsabilidade individual e menos assistencialismo. A exemplo do ex-líder britânico Tony Blair, o criador do New Labour, costuma ser catalogado como social-liberal.No Ministério do Interior, enfureceu os defensores de direitos humanos ao ordenar a deportação de imigrantes ilegais, a começar dos ciganos - ficou famoso o caso de uma estudante romena sumariamente despachada de volta quando se apresentou para verificar a sua situação. Na Europa encharcada de xenofobia, isso o tornou o mais prestigiado dos ministros de Hollande. Diante dos resultados eleitorais e da ascensão de Valls, o único consolo da esquerda foi a eleição da socialista (e feminista) Anne Hidalgo, de origem espanhola como o novo primeiro-ministro, para a prefeitura de Paris. Ela derrotou a adversária do UMP, Nathalie Kosciusko-Morizet, por quase 10 pontos porcentuais de diferença. Como Rick Blaine, o americano expatriado do clássico "Casablanca", os socialistas talvez possam repetir: "Nós sempre teremos Paris".