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A hora de a onça beber água

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Por Redação
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Dias atrás o presidente da República interino, Michel Temer, questionado pelos jornalistas sobre a última fase então deflagrada da Operação Lava Jato, da Polícia Federal (PF), respondeu o que lhe cumpria dizer: "O governo está tranquilíssimo". Puro despiste. A prisão de vários presidentes e executivos de grandes empreiteiras, bem como do ex-diretor da Petrobrás Renato Duque, ligado ao PT, no âmbito das investigações sobre a corrupção na maior empresa estatal brasileira, abre caminho para o que poderá ser a fase final das investigações, aquela que envolve no escândalo a participação de figurões da República: políticos e autoridades governamentais. É mais fácil de acreditar que hoje em Brasília haja muito mais gente perdendo o sono do que "tranquilíssima". A razão é óbvia.A Operação Lava Jato indiciou e prendeu, inicialmente, operadores do esquema de corrupção, aqueles que fazem a intermediação entre quem fornece e quem recebe o dinheiro sujo. Em seguida foram indiciados, e presos - com a estrondosa repercussão que era de esperar -, dirigentes das empreiteiras suspeitas de participarem do esquema. Está faltando agora colocar em cena os integrantes da outra ponta do processo de corrupção: aqueles que embolsaram a propina, em benefício próprio ou de quem representam, ou seja, os partidos políticos. Será certamente mais um importante teste para a solidez das nossas instituições democráticas.Considerando que é improvável que petistas de alto coturno - e gente importante de outros partidos da "base aliada" e até mesmo da oposição - não estejam envolvidos no escândalo, a expectativa de reações exacerbadas justifica-se pelos precedentes. Antes de o STF condenar José Dirceu & Cia. à prisão no processo do mensalão, Lula, ainda presidente da República, anunciou que quando deixasse o poder se dedicaria a "desmontar a farsa do mensalão". Nunca se desdisse. Depois da condenação, estimulado pelos dirigentes, o PT saiu às ruas e às redes sociais com a faca nos dentes para enaltecer o heroísmo dos "guerreiros do povo brasileiro" que estavam sendo injustamente punidos por um tribunal "de exceção" comprometido com a elite e exigir a "imediata anulação" do julgamento. Quando o partido no poder entende que seus militantes estão sempre acima de qualquer suspeita e tudo o que fazem, por mais condenável que seja pelos padrões "burgueses", é feito sempre "em nome do povo", sobram motivos para temer pelas instituições democráticas. Principalmente no momento em que, por ter saído vencedor de um pleito presidencial por estreita margem de votos, os petistas têm todas as razões para temer pela continuidade de seu projeto de poder. No escândalo da Petrobrás os políticos mais importantes estão até agora relativamente preservados porque parlamentares ou ministros de Estado se beneficiam de foro privilegiado. Até mesmo para que esses políticos possam ser investigados pela PF é necessário que a autoridade policial protocole o pedido de autorização no STF e aguarde que o ministro designado para o caso analise e, se assim o entender, libere a investigação. Foi por essa razão que, quando nos depoimentos colhidos nos inquéritos da Lava Jato começaram a surgir nomes de parlamentares, a PF teve de solicitar autorização do STF para prosseguir nas investigações, o que foi concedido pelo ministro Teori Zavascki.O instituto do foro especial por prerrogativa de função é consagrado nas sociedades modernas e democráticas como recurso para garantir à autoridade pública o exercício de suas responsabilidades a salvo de armadilhas eventualmente tramadas por adversários políticos. É claro que a medida da confiança da sociedade nesse instituto está condicionada pela credibilidade que, mais até do que a Justiça, os próprios políticos inspiram. De qualquer modo, a Justiça brasileira, com todas as deficiências de que padece, tem um enorme crédito depois que decretou o fim da impunidade dos poderosos com o julgamento do mensalão. Não há razão, portanto, para temer que não cumpra seu papel no julgamento deste que é, sem dúvida, o maior escândalo político da história deste país.